quarta-feira, 25 de abril de 2012

ANÁLISE DO SERMÃO DA SEXAGÉSIMA- do Padre António Correia


TRABALHO UNIVERSITÁRIO

ANÁLISE DO SERMÃO DA SEXAGÉSIMA DO Pe. Pe:António Vieira

Pregado na capela real, em 1655.

Semen est verbum Dei. S. Lucas VIII, 11



NOTA INTRODUTÓRIA

No mundo académico, os estudiosos concluíram que, cada vez mais, é necessária uma visão argumentativa, dada as divergências ideológicas a que se têm vindo a assistir, nas dissertações especulativas da realidade, e o alcance circunstancial do teor, tendo em conta a espácio-temporalidade e o destinatário.

Assim, proponho-me a uma análise do sermão do Padre António Vieira, pregado na capela real, em 1655, intitulado Semen est verbum Dei (a semente é a palavra de Deus).

O texto apresenta-se submetido a um plano bem delineado e distribuído harmoniosamente nas suas partes, de maneira que formasse um bloco dialéctico sem fracturas: assim sendo, pude repartir esquematizadamente o seu discurso em quatro fases distintas, todavia complementares.

v EXÓRDIO - em que se capta a atenção dos ouvintes, proposição.

v EXPOSIÇÃO - que consiste na explanação do assunto.

v CONFIRMAÇÃO - que é a comprovação das teses expostas.

v PERORAÇÃO - remate do discurso que compreende a recapitulação do essencial e conclusão, tida também como definitiva e triunfante.

Fazendo um recurso ao tempo, como os aspectos cronológicos determinam, a par de outros, a autenticidade da obra, constata-se certa compatibilidade entre o período em que terá nascido e se formado (1608-1694) e a data em que o sermão terá sido proferido (1655). Se assim não fosse, criaria ambigüidades; faço outro recurso ao estilo grandiloqüente, verificado também nos outros sermões atribuídos a ele, indicando que terá sido ele o autor, pois revela a sua capacidade e característica persuasivas, notificada, directa ou indirectamente, pelos seus contemporâneos através dos seus feitos durante os discursos; outro ainda, aos anais da casa real, local em que terá pregado, e aos da congregação em que pertenceu, confirmando a veracidade absoluta da obra, quanto ao seu autor.

As mudanças que se verificavam na sociedade lusa, singularmente, devido às realidades técnicas, científicas e filosóficas, foram multisectoriais, incluindo a posição radical dos pregadores ou semeadores da palavra de Deus.

Pe. António Vieira, tendo visto a dimensão crítica da situação, não se manteve indiferente, não fosse ele ver uma decadência total daqueles que se prezavam continuadores da missão de Jesus Cristo. Desta feita, rebusca, por meio de uma interpretação rigorosa, as verdadeiras características do anunciador e as directrizes para o anúncio, a partir da parábola do semeador. Estas mudanças da sociedade têm sido um facto ainda hoje, por isso, a problemática, analisada pelo Pe. Vieira, ganha uma postura atemporal, constituindo uma importante e necessária situação, que deve ser tida como um alvo a se abater ou a se erradicar, ou seja, nas sociedades hodiernas, vários têm sido as decadências que, parcialmente, indicam a inseriedade dos que podiam transformar positivamente a sociedade, atribuindo-lhes uma parte das razões que terão estado nas bases das anomalias do homem. Diga-se, de facto, que é uma metodologia de que muitos já se serviram, tais como Cícero*1 e Demóstenes*2, para que pudessem ver uma sociedade pacífica, justa e progressiva, pois, como defendem certos sociólogos, a força de uma sociedade não se mede pelos seus recursos naturais, mas sim pela formação integral do homem que a forma.[1]

Ressalva-se a metodologia, pelo facto de ir mais a fundo da situação e de conseguir trazer à luz o elemento que condiciona a progressão social, o homem. Não tivesse tido a noção do fundamento social, caracterizado pelo homem, de forma que se mostrassem as grandes debilidades, que perpetuam o mal, não estava a fazer absolutamente nada, era como se estivesse a erradicar o fogo por meio da gasolina, algo impossível. Uma questão não menos importante, por isso não encontrada numa posição secundária, é a responsabilidade feitural ou consciência laboral, que faz a dimensão substancial ou essencial de um todo.

Consideremos:

Dois erros se tornam desastrosos na sociedade, isto é, o de um médico, por estar ligado ao tratado da biofísica, e o de um docente (ou também conducente), por estar ligado ao tratado da capacidade ou da vida intelectual, elemento imprescindível para a catapultação do homem ao desenvolvimento do seu meio.

         E por ser verdade, cabe-me dizer que o facto deste e daquele, senão de todos outros, responderem pelo que fazem teria de ser mais explícito ou natural ou ainda sem revestimento algum, e foi isso que Pe. Vieira fez com profundidade, indicando os prós e os contras a construção de uma sociedade pacífica a partir daqueles que determinam ideologicamente a posição do homem, que faz a sociedade acontecer, os pregadores. Como não havia de ter uma posição relevante, se ele tinha a noção do alcance temático?


ASPECTOLOGIA TEXTUAL

A história pôde constatar que foi a partir dos discursos dos grandes oradores que as regras da retórica foram sendo criadas, porque os seus discursos apresentavam todo um aparato que determinavam a expressividade coesa e coerente de uma idéia, fosse teológica, fosse filosófica, fosse ainda político-social e científica. Pe. Vieira não saiu das linhas mestras, uma vez que a oratória e a retórica apresentavam uma posição notavelmente positiva, de modo que Pe. Vieira pôde servir-se do padrão discursivo, para que pudesse dar ao sermão uma rigorosidade global, importa, porém, sublinhar que a imaginação criativa dele não fora eclipsada pelo cumprimento de normas pré-existentes.

A ser assim, nota-se uma posição regular do Pe. Vieira, quanto a utilização dos vocábulos. Havia - de justificar-se, tendo referencialmente o povo a quem discursava e o conteúdo temático a que se propusera tratar.

Não existe, talvez nunca venha a existir, alguém que tenha o conhecimento perfeito de redação, embora seja suposto o conhecimento da gramática da língua portuguesa, para se escrever corretamente. Mas, se não pode aprender-se a escrever com perfeição, pode, ao menos, aprender-se a escrever bem, de maneira a impressionar agradavelmente quem nos lê. Escrever bem, isto é, com certa arte, com certa elegância formal, é, pelo menos, obrigação dos que são ou foram estudantes. Segundo Goethe*3 «para se escrever bem é sempre necessário ter alguma coisa para dizer».

O vocabulário do Pe. Vieira é simultaneamente simples e complexo: não existe uma dicotomia terminológica. Analisemos:

A simplicidade do vocabulário consiste na desobstrução da percepção ideológica do conteúdo e a complexidade consiste na posição invulgar dos vocábulos.   

Há no sermão as linhas que apontam para aquilo que são as características de um vocabulário dotado de extrema severidade, revelando os seguintes pontos: propriedade, clareza, precisão, concisão, variedade, pitoresco, simplicidade, etc.[2]
 

Decifremos:

Propriedade: há perfeita adequação dum termo ou expressão à idéia que pretendia exprimir, fruto de leituras de bons autores.

Clareza: há transparência ou limpidez na expressão escrita, também verbal, de idéias e emoções. Pe. Vieira teve o cuidado de qualificar a inteligibilidade, de sorte que a sua missiva tivesse uma adesão popular. Se ela não buscasse esse método, que caracteriza a pureza do discurso, daria ao seu texto uma dimensão semelhante àquela defendida por António Correia*4, segundo a qual «a única informação que o imperceptível dá é a de que não quer ser percebido», não foi essa a finalidade do Pe. Vieira, por conseguinte não há obscuridade e equívoco.

Precisão: consistindo em dizer aquilo, e só aquilo, que estava no pensamento, pôde evitar os termos vagos, insuficientes e ambíguos.

Concisão: indica que Pe. Vieira apenas empregou os termos necessários à expressão do pensamento. Diga-se de passagem, que um texto pode ser claro e preciso, mas afugentar os sábios por excessiva sobriedade verbal (laconismo) ou verbosidade supérflua (psitacismo, perissologia).

Variedade: é outro aspecto vocabulário do sermão, que demonstra o conhecimento, da parte do autor, das conversões sintácticas das orações, ganhando uma importância especial.

Pitoresco: não só no aspecto sintáctico, mas também no lexical há, através de vocábulos que de per si exprimem uma sensação viva do objecto artístico, a transmissão de uma idéia pictórica, dado que Pe. Vieira abandona os termos abstractos, optando por um recurso às imagens precisas e directas.

Simplicidade: é uma característica que, longe de chegar á secura, liga-se à clareza e supõe a humildade do Pe. Vieira, sem que se precisem os tons rudes e grosseiros.[3]

Nota-se que do prisma morfossintáctico, Pe Vieira soube converter, com facilidade, a ordem directa na inversa; o discurso directo em indirecto; a voz activa em passiva; uma oração conjuncional em infinitiva, participal ou gerundiva- vice versa. O uso de expressões idiomáticas, caracterizadas pela combinação fixa de palavras que adquire um significado que não pode ser compreendido pela divisão da expressão idiomática, dá uma visão literária ao sermão. O estado emocional do Pe. Vieira, sem que se necessite uma posição conterrânea e contemporânea da minha parte, é expressa nas interjeições e locuções interjetivas. Ora vejamos: oh, que grande exemplo me dá este semeador! – demonstra um estado de alma caracterizado pela alegria. Alegria de que? Surge a pergunta:

Eis a resposta: de ter, através da parábola, encontrado parâmetros que metodificassem o longo percurso do anunciador, dando-lhe uma nova esperança, lógico, caso fossem aceitos como princípios através dos quais...

É visível, por um lado, o casamento perfeito entre, ao nível da pragmática e da linguagem textual, as características que distinguem as funções da linguagem, isto é, emotiva, apelativa e literária ou poética, e as tipologias fraseológicas, isto é, interrogativas, exclamativas e imperativas. Se tivermos que considerar a sua posição, pregador, o seu conteúdo, bíblico-teológico, e a finalidade a que se tinha proposto, moldar uma atitude, havemos de decifrar a interacção que se tinha de manter com o povo ouvinte, por meio dos já referidos pontos fraseológicos e funcionais da linguagem, é visível, por outro lado, o revezamento dos aspectos hierárquicos na relação semântica de hiperonímia-hiponímia. Este revezamento permite definir as espécies, ora como partes individuais da colectividade ora como a generalidade situacional.

Efectivamente, tendo em conta os vários pontos a que se fez recurso, temos um texto do tipo argumentativo, pois Pe. Vieira usa a palavra com o objectivo de persuadir e de dar a conhecer as suas respectivas posições. Permita-se que se estabeleçam as possíveis marcas que possam ajudar os vários leitores a uma interpretação que vá ao encontro das idéias válidas.

a)     Polissemia;

b)    Marcadores e conectores discursivos conversacionais ou fáticos, caracterizados por uma atitude imperativa;

c)     Referência, consistindo na relação que Pe. Vieira manteve entre uma expressão lingüística e uma entidade ou localização espácio-temporal, reconhecíveis num determinado contexto discursivo;

d)    Coerência, mantendo a perfeita ligação entre o que se diz e o que é;

e)     Coesão, mantendo a tecelagem das partes do texto, formando, assim, um todo lógico;

f)      Forma de tratamento, servindo-se da segunda pessoa do plural, considerando tanto o assunto quanto aqueles para quem discursava.

g)     Etc...

Na verdade, Pe. Vieira pôde fazer uso de uma série de recursos expressivos, de modo que tornasse a sua escrita mais rica, mais flexível, mais expressiva, sublinhando, deste modo, os traços significativos de uma mensagem.

O uso de recursos expressivos (estilísticos) enriqueceu a escrita na medida em que tornou o texto mais apelativo, emotivo e eficaz, auxiliando na construção de novos significados e, possibilitando uma leitura (ou interpretação) para além dos elementos superficiais do texto. A tentativa de veicular uma determinada mensagem, evocando uma sensação ou emoção, ganhou forma pelo uso de recursos expressivos na medida em que estes potenciaram o discurso, carregando-o de expressividade. A linguagem tornou-se mais sugestiva, conferindo-lhe mais beleza e singularidade. Importa dizer que o recurso expressivo que mais sobressaiu no texto foi a comparação, em mútua relação com a metáfora e metonímia.

Outrossim, há, no discurso, uma qualidade lingüística de acordo com as linhas que padronizavam a língua portuguesa, diferentes das atuais, bem como os pontos estilísticos que o distinguem dos outros célebres oradores, pontos estes que são: A pujança verbal, a grande capacidade imaginativa, o estilo vivo e penetrante, e ainda a recorrência aos textos escriturísticos para a ilustração das doutrinas em exposição.

Portanto, estamos diante dum sermão que, decerto, teve, tem e terá frutos incalculáveis, por ter expressado o corpus plenus do problema e apresentado possíveis soluções. Indica num tom firme e elevado a dimensão das várias situações vividas na época, advindas das lacunas dos grandes pregadores, uma vez que seriam esses os impulsionantes para uma mudança de mentalidade. Perceba-se, é um assunto que não se delimita na pregação do evangelho, mas chega à divulgação dos valores que edificam a sociedade. Se ele fala do homem como pregador, anunciador, mestre, etc., e do homem como ouvinte, discente, queria dizer que os valores vistos num pregador e ouvidos dele reluzem nas mais variadas actividades do homem, sendo este o motor mutante da sociedade. Aliás, ele não estabelece uma posição que demonstre outra finalidade senão a de mudar o comportamento humano, a de permitir que os homens se reencontrem, passando necessariamente por uma aprendizagem, pressupondo alguém que ensine as vantagens e desvantagens, precisando-lhe as qualidades apresentadas pelo   Pe. Viera, não menos cabais: Personalidade, cientificidade, conteúdo estílisticidade e a voz, características que conservam o fundamentalismo humano dentro do processo de aprendizagem e de ensino, processo este que determina a progressão da sociedade ouvinte e aprendente, através dos seus frutos.

     

RECURSOS BIBLIOGRÁFICOS



MATOS, João Carlos, Gramática Moderna da Língua portuguesa, I edição, Escolar Editora, Lisboa, 2010.

CABRAL, António, Morfologia Literária, I edição, Porto Editora, Porto.

REFERÊNCIA ELETRÔNICA







*1 Orador romano do séc. I
*2 Orador grego do séc. VI a. C.
*3 Crítico literário.
*4 Lingüista, jornalista, filósofo e Classicologista do sec. XXI

3 comentários:

  1. de facto, é uma obra invejável e acima de tudo catedrática....

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  2. mais uma vez o Libolo está a demonstrar que tem força de um leão faminto.... Parabéns Libolo...

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  3. o meu Petro joga amanhã, Quarta-Feira, 10 de Maio, frente a um Progresso que está a fazer um bom campeonato... Força Petro!

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