TRABALHO
UNIVERSITÁRIO
ANÁLISE
DO SERMÃO DA SEXAGÉSIMA DO
Pe. Pe:António
Vieira
Pregado
na capela real, em 1655.
Semen est verbum
Dei. S. Lucas VIII, 11
NOTA INTRODUTÓRIA
No
mundo académico, os estudiosos concluíram que, cada vez mais, é necessária uma
visão argumentativa, dada as divergências ideológicas a que se têm vindo a assistir,
nas dissertações especulativas da realidade, e o alcance circunstancial do
teor, tendo em conta a espácio-temporalidade e o destinatário.
Assim,
proponho-me a uma análise do sermão do Padre
António Vieira, pregado na capela real, em 1655, intitulado Semen est verbum Dei (a semente é a
palavra de Deus).
O
texto apresenta-se submetido a um plano bem delineado e distribuído
harmoniosamente nas suas partes, de maneira que formasse um bloco dialéctico
sem fracturas: assim sendo, pude repartir esquematizadamente o seu discurso em
quatro fases distintas, todavia complementares.
v EXÓRDIO
- em que se capta a atenção dos ouvintes, proposição.
v EXPOSIÇÃO
- que consiste na explanação do assunto.
v CONFIRMAÇÃO
- que é a comprovação das teses expostas.
v PERORAÇÃO
- remate do discurso que compreende a recapitulação do essencial e conclusão,
tida também como definitiva e triunfante.
Fazendo
um recurso ao tempo, como os aspectos cronológicos determinam, a par de outros,
a autenticidade da obra, constata-se certa compatibilidade entre o período em
que terá nascido e se formado (1608-1694)
e a data em que o sermão terá sido proferido (1655). Se assim não fosse, criaria ambigüidades; faço outro
recurso ao estilo grandiloqüente, verificado também nos outros sermões
atribuídos a ele, indicando que terá sido ele o autor, pois revela a sua
capacidade e característica persuasivas, notificada, directa ou indirectamente,
pelos seus contemporâneos através dos seus feitos durante os discursos; outro
ainda, aos anais da casa real, local em que terá pregado, e aos da congregação
em que pertenceu, confirmando a veracidade absoluta da obra, quanto ao seu
autor.
As
mudanças que se verificavam na sociedade lusa, singularmente, devido às
realidades técnicas, científicas e filosóficas, foram multisectoriais,
incluindo a posição radical dos pregadores ou semeadores da palavra de Deus.
Pe. António Vieira,
tendo visto a dimensão crítica da situação, não se manteve indiferente, não
fosse ele ver uma decadência total daqueles que se prezavam continuadores da
missão de Jesus Cristo. Desta feita, rebusca, por meio de uma interpretação
rigorosa, as verdadeiras características do anunciador e as directrizes para o
anúncio, a partir da parábola do semeador. Estas mudanças da sociedade têm sido
um facto ainda hoje, por isso, a problemática, analisada pelo Pe. Vieira, ganha uma postura atemporal,
constituindo uma importante e necessária situação, que deve ser tida como um
alvo a se abater ou a se erradicar, ou seja, nas sociedades hodiernas, vários
têm sido as decadências que, parcialmente, indicam a inseriedade dos que podiam
transformar positivamente a sociedade, atribuindo-lhes uma parte das razões que
terão estado nas bases das anomalias do homem. Diga-se, de facto, que é uma
metodologia de que muitos já se serviram, tais como Cícero*1 e Demóstenes*2, para que pudessem ver uma
sociedade pacífica, justa e progressiva, pois, como defendem certos sociólogos,
a força de uma sociedade não se mede
pelos seus recursos naturais, mas sim pela formação integral do homem que a
forma.[1]
Ressalva-se
a metodologia, pelo facto de ir mais a fundo da situação e de conseguir trazer
à luz o elemento que condiciona a progressão social, o homem. Não tivesse tido
a noção do fundamento social, caracterizado pelo homem, de forma que se
mostrassem as grandes debilidades, que perpetuam o mal, não estava a fazer
absolutamente nada, era como se estivesse a erradicar o fogo por meio da
gasolina, algo impossível. Uma questão não menos importante, por isso não
encontrada numa posição secundária, é a responsabilidade feitural ou
consciência laboral, que faz a dimensão substancial ou essencial de um todo.
Consideremos:
Dois
erros se tornam desastrosos na sociedade, isto é, o de um médico, por estar
ligado ao tratado da biofísica, e o de um docente (ou também conducente), por
estar ligado ao tratado da capacidade ou da vida intelectual, elemento
imprescindível para a catapultação do homem ao desenvolvimento do seu meio.
E
por ser verdade, cabe-me dizer que o facto deste e daquele, senão de todos
outros, responderem pelo que fazem teria de ser mais explícito ou natural ou
ainda sem revestimento algum, e foi isso que Pe. Vieira fez com profundidade, indicando os prós e os contras a
construção de uma sociedade pacífica a partir daqueles que determinam ideologicamente
a posição do homem, que faz a sociedade acontecer, os pregadores. Como não havia de ter uma posição relevante,
se ele tinha a noção do alcance temático?
ASPECTOLOGIA TEXTUAL
A
história pôde constatar que foi a partir dos discursos dos grandes oradores que
as regras da retórica foram sendo criadas, porque os seus discursos
apresentavam todo um aparato que determinavam a expressividade coesa e coerente
de uma idéia, fosse teológica, fosse filosófica, fosse ainda político-social e
científica. Pe. Vieira não saiu das
linhas mestras, uma vez que a oratória e a retórica apresentavam uma posição
notavelmente positiva, de modo que Pe.
Vieira pôde servir-se do padrão discursivo, para que pudesse dar ao sermão
uma rigorosidade global, importa, porém, sublinhar que a imaginação criativa
dele não fora eclipsada pelo cumprimento de normas pré-existentes.
A
ser assim, nota-se uma posição regular do Pe.
Vieira, quanto a utilização dos vocábulos. Havia - de justificar-se, tendo
referencialmente o povo a quem discursava e o conteúdo temático a que se
propusera tratar.
Não
existe, talvez nunca venha a existir, alguém que tenha o conhecimento perfeito
de redação, embora seja suposto o conhecimento da gramática da língua portuguesa,
para se escrever corretamente. Mas, se não pode aprender-se a escrever com
perfeição, pode, ao menos, aprender-se a escrever bem, de maneira a
impressionar agradavelmente quem nos lê. Escrever bem, isto é, com certa arte,
com certa elegância formal, é, pelo menos, obrigação dos que são ou foram
estudantes. Segundo Goethe*3
«para se escrever bem é sempre necessário
ter alguma coisa para dizer».
O
vocabulário do Pe. Vieira é
simultaneamente simples e complexo: não existe uma dicotomia terminológica. Analisemos:
A
simplicidade do vocabulário consiste na desobstrução da percepção ideológica do
conteúdo e a complexidade consiste na posição invulgar dos vocábulos.
Há
no sermão as linhas que apontam para aquilo que são as características de um
vocabulário dotado de extrema severidade, revelando os seguintes pontos: propriedade, clareza, precisão, concisão,
variedade, pitoresco, simplicidade, etc.[2]
Decifremos:
Propriedade:
há perfeita adequação dum termo ou expressão à idéia que pretendia exprimir,
fruto de leituras de bons autores.
Clareza:
há transparência ou limpidez na expressão escrita, também verbal, de idéias e
emoções. Pe. Vieira teve o cuidado
de qualificar a inteligibilidade, de sorte que a sua missiva tivesse uma adesão
popular. Se ela não buscasse esse método, que caracteriza a pureza do discurso,
daria ao seu texto uma dimensão semelhante àquela defendida por António
Correia*4,
segundo a qual «a única informação que o
imperceptível dá é a de que não quer ser percebido», não foi essa a
finalidade do Pe. Vieira, por
conseguinte não há obscuridade e equívoco.
Precisão:
consistindo em dizer aquilo, e só aquilo, que estava no pensamento, pôde evitar
os termos vagos, insuficientes e ambíguos.
Concisão:
indica que Pe. Vieira apenas
empregou os termos necessários à expressão do pensamento. Diga-se de passagem,
que um texto pode ser claro e preciso, mas afugentar
os sábios por excessiva sobriedade verbal (laconismo) ou verbosidade
supérflua (psitacismo, perissologia).
Variedade:
é outro aspecto vocabulário do sermão, que demonstra o conhecimento, da parte
do autor, das conversões sintácticas das orações, ganhando uma importância
especial.
Pitoresco:
não só no aspecto sintáctico, mas também no lexical há, através de vocábulos
que de per si exprimem uma sensação
viva do objecto artístico, a transmissão de uma idéia pictórica, dado que Pe. Vieira abandona os termos
abstractos, optando por um recurso às imagens precisas e directas.
Simplicidade:
é uma característica que, longe de chegar á secura, liga-se à clareza e supõe a
humildade do Pe. Vieira, sem que se
precisem os tons rudes e grosseiros.[3]
Nota-se
que do prisma morfossintáctico, Pe
Vieira soube converter, com facilidade, a ordem directa na inversa; o
discurso directo em indirecto; a voz activa em passiva; uma oração conjuncional
em infinitiva, participal ou gerundiva- vice versa. O uso de expressões
idiomáticas, caracterizadas pela combinação fixa de palavras que adquire um
significado que não pode ser compreendido pela divisão da expressão idiomática,
dá uma visão literária ao sermão. O estado emocional do Pe. Vieira, sem que se necessite uma posição conterrânea e
contemporânea da minha parte, é expressa nas interjeições e locuções interjetivas.
Ora vejamos: oh, que grande exemplo me dá
este semeador! – demonstra um estado de alma caracterizado pela alegria.
Alegria de que? Surge a pergunta:
Eis
a resposta: de ter, através da parábola, encontrado parâmetros que
metodificassem o longo percurso do anunciador, dando-lhe uma nova esperança,
lógico, caso fossem aceitos como princípios
através dos quais...
É
visível, por um lado, o casamento perfeito entre, ao nível da pragmática e da
linguagem textual, as características que distinguem as funções da linguagem,
isto é, emotiva, apelativa e literária ou poética, e as tipologias
fraseológicas, isto é, interrogativas, exclamativas e imperativas. Se tivermos
que considerar a sua posição, pregador,
o seu conteúdo, bíblico-teológico, e
a finalidade a que se tinha proposto, moldar
uma atitude, havemos de decifrar a interacção que se tinha de manter com o
povo ouvinte, por meio dos já referidos pontos fraseológicos e funcionais da
linguagem, é visível, por outro lado, o revezamento dos aspectos hierárquicos
na relação semântica de hiperonímia-hiponímia. Este revezamento permite definir
as espécies, ora como partes individuais da colectividade ora como a
generalidade situacional.
Efectivamente,
tendo em conta os vários pontos a que se fez recurso, temos um texto do tipo
argumentativo, pois Pe. Vieira usa a
palavra com o objectivo de persuadir e de dar a conhecer as suas respectivas
posições. Permita-se que se estabeleçam as possíveis marcas que possam ajudar
os vários leitores a uma interpretação que vá ao encontro das idéias válidas.
a) Polissemia;
b) Marcadores
e conectores discursivos conversacionais ou fáticos, caracterizados por uma
atitude imperativa;
c) Referência,
consistindo na relação que Pe. Vieira
manteve entre uma expressão lingüística e uma entidade ou localização
espácio-temporal, reconhecíveis num determinado contexto discursivo;
d) Coerência,
mantendo a perfeita ligação entre o que se diz e o que é;
e) Coesão,
mantendo a tecelagem das partes do texto, formando, assim, um todo lógico;
f) Forma
de tratamento, servindo-se da segunda pessoa do plural, considerando tanto o
assunto quanto aqueles para quem discursava.
g) Etc...
Na
verdade, Pe. Vieira pôde fazer uso
de uma série de recursos expressivos, de modo que tornasse a sua escrita mais
rica, mais flexível, mais expressiva, sublinhando, deste modo, os traços
significativos de uma mensagem.
O
uso de recursos expressivos (estilísticos) enriqueceu a escrita na medida em
que tornou o texto mais apelativo, emotivo e eficaz, auxiliando na construção
de novos significados e, possibilitando uma leitura (ou interpretação) para
além dos elementos superficiais do texto. A tentativa de veicular uma
determinada mensagem, evocando uma sensação ou emoção, ganhou forma pelo uso de
recursos expressivos na medida em que estes potenciaram o discurso,
carregando-o de expressividade. A linguagem tornou-se mais sugestiva,
conferindo-lhe mais beleza e singularidade. Importa dizer que o recurso
expressivo que mais sobressaiu no texto foi a comparação, em mútua relação com
a metáfora e metonímia.
Outrossim,
há, no discurso, uma qualidade lingüística de acordo com as linhas que
padronizavam a língua portuguesa, diferentes das atuais, bem como os pontos
estilísticos que o distinguem dos outros célebres oradores, pontos estes que
são: A pujança verbal, a grande
capacidade imaginativa, o estilo vivo e penetrante, e ainda a recorrência aos
textos escriturísticos para a ilustração das doutrinas em exposição.
Portanto,
estamos diante dum sermão que, decerto, teve, tem e terá frutos incalculáveis,
por ter expressado o corpus plenus do
problema e apresentado possíveis soluções. Indica num tom firme e elevado a
dimensão das várias situações vividas na época, advindas das lacunas dos
grandes pregadores, uma vez que seriam esses os impulsionantes para uma mudança
de mentalidade. Perceba-se, é um assunto que não se delimita na pregação do
evangelho, mas chega à divulgação dos valores que edificam a sociedade. Se ele
fala do homem como pregador, anunciador, mestre, etc., e do homem como ouvinte,
discente, queria dizer que os valores vistos num pregador e ouvidos dele
reluzem nas mais variadas actividades do homem, sendo este o motor mutante da
sociedade. Aliás, ele não estabelece uma posição que demonstre outra finalidade
senão a de mudar o comportamento humano, a de permitir que os homens se reencontrem,
passando necessariamente por uma aprendizagem, pressupondo alguém que ensine as
vantagens e desvantagens, precisando-lhe as qualidades apresentadas pelo Pe. Viera, não menos cabais: Personalidade, cientificidade, conteúdo
estílisticidade e a voz, características que conservam o
fundamentalismo humano dentro do processo de aprendizagem e de ensino, processo
este que determina a progressão da sociedade ouvinte e aprendente, através dos
seus frutos.
RECURSOS BIBLIOGRÁFICOS
MATOS, João Carlos,
Gramática Moderna da Língua portuguesa, I edição, Escolar Editora, Lisboa,
2010.
CABRAL,
António, Morfologia Literária, I edição, Porto Editora, Porto.
REFERÊNCIA
ELETRÔNICA
de facto, é uma obra invejável e acima de tudo catedrática....
ResponderExcluirmais uma vez o Libolo está a demonstrar que tem força de um leão faminto.... Parabéns Libolo...
ResponderExcluiro meu Petro joga amanhã, Quarta-Feira, 10 de Maio, frente a um Progresso que está a fazer um bom campeonato... Força Petro!
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