ANTÓNIO CORREIA
quarta-feira, 9 de maio de 2012
quarta-feira, 25 de abril de 2012
O PENSAR ANTROPOLÓGICO ANGOLANO
INTRODUÇÃO
Sendo a Antropologia o estudo da generalidade humana, tendo em conta a sua
morfologia somática e os seus aspectos sócio-culturais, a reflexão no homem não
pode ser uma dinâmica autónoma duma sociedade específica, onde exista um
determinismo que padronize e reguralize o problema «Homem», defendendo, assim, a passagem dos aspectos
físico-culturais universalmente, desconsiderando, do mesmo modo, o homem como
um facto da circunstacialidade social, do tradicionalismo cultural do grupo a
que pertence e dos aspectos genéticos tradicionais, estes sim, tornam-no
indivíduo.
É Sim, uma reflexão que toma
corpo nas concepções de todos os povos, pois o que preferimos chamar de naturalismo filosófico-em vez
de filosofia espontânea ou elementar-é um dos elementos que determinam a ânsia
de querer saber do universo, das coisas e sobre tudo do homem, aliás, os
dois grandes ramos da Antropologia, isto
é, a física e a cultural, apontam para uma realidade que não pode ser
exclusiva, dado que cada indivíduo apresenta as suas variações somáticas,
pertença a um grupo com manifestações culturais- este último elemento muita das
vezes fruto das percepções filosóficas e/ou mitológicas dos distintos povos que, através do tempo, se apresentam como um potente contribuinte para a
progressão e constituição da Antropologia.
Com isto, chega-nos dizer que este
trabalho é uma reflexão, não menos profunda, nas concepções angolanas
relactivas ao homem, respondendo, implicitamente, à questão: Em que consiste a
antropolgia angolana? Através do qual pretendemos dar a conhecer a
sócio-culturalidade, os aspéctos somáticos, caracterizantes do homem angolano,
aos que, embora tenham um conhecimento da área, não se sentem recheados de
suficiências anrtropológicas, por um lado, e aos que se sentem propensos a,
cada vez mais, entender o fenómeno na perspectiva angolana, porém precisam de
meios, e só disso, que os possa galvanizar para a inserção no entendimento da
generalidade antropológica, por outro lado.
Quer estes quer aqueles têm uma
unifinalidade, isto é, contactar com os padrões da «genos antropo-filosófica»
da angolanidade, de sorte que se não distanciem das marcas identitárias que
perpassam os hábitos sócio-relacionais, as tradições e manifestações culturais,
o pensar mítico e racional (mitologia e filosofia), enfim a religiosidade, etc.
O
trabalho está lógica e sequencialmente estruturado e triplamente dividido:
v I Capítulo- O campo da antropologia angolana;
v II Capítulo- A essência da antropologia angolana;
v III Capítulo- O neogismo antropológico angolano;
No I capítulo, desenvolveu-se o
percurso histórico da antropologia angolana, pois é um presuposto obrigatório
para que estejamos nas várias reflexões no homem angolano; O lado mais externo
do estudo da antropologia angolana que
nos catapulta para o intríseco,
caracterizante da essência antropológica.
No II capítulo, o impulso
levou-nos a compreensão dos aspectos que presupõem a expressividade
antropológica, decifrando, perscrutadamente,
as situações enigmáticas
que determinam, identitariamente,
o «homem angolano» no mundo, caracterizado, essencialmente, pela amalgamidade
cultural, quisermos, mosaico cultural.
As manifestações, os hábitos
culturais, os pensamentos filo-mitológicos, etc, podem ser elementos através
dos quais se compreende com que ânimo o sujeito expressa determinada acção.
Assim, à volta deste último ponto, abordamos.
No III capítulo, fomos ao
encontro da dinâmica do pensamento antropológico angolano que sofreu, e sofre
cada vez mais, infuências de «pensares», ditos, de méritos, através do fenómeno
de interculturalidade, que está facilitado pela , grande, mundialização. Pretendeu-se
compreender as múltiplas formas que terão estado na mutação, organizacional, do pensamento
angolano, bem como, do equilíbrio da sua identidade.
A este último capítulo, copulamos
várias apreciações, entre as quais do grupo, na medida em que nos tornamos
força activa, não uns simples consumidores nem recolectores, e em que o nosso
trabalho não surge para se apreciar ligeiramente, sim, para ser um
«para-prontuário», permita-se, outro sim, um vade mecum orientador de um
correcto estudo do homem angolano na sua generalidade.
Em geral, o nosso grande
objectivo é tentar compreender, através do tema a que fomos propostos, quem
somos, donde teremos saido, onde estamos, para onde vamos e quais os motivos da nossa mutação valorativa
transcultural? Este sim, abragente.
Era bom que este trabalho fosse
de leitura obrigatória para os estudantes de: Antropologia, História, Linguística, Literatura Bantu, Sociologia. No
entanto, será recheado o léxico daquele que, embora não faça parte dos já
citados campos académicos, procura esquadrinhar enquanto estudante e filósofo.
N.B:
Devido às fracas fontes de pesquisa, o trabalho foi muito superficial em alguns
assuntos, no entanto, se se considerar como uma fonte de galvanização ou cajado
de investigação, deve fazer-se-lhe vênia.
Outrossim,
o caro leitor encontrará certas expressões que poderão ser novas do ponto de
vista de especificidade, pois nós fizemos pouquíssimas vezes um recurso aos
vários termos empregues por alguns estudiosos da área. O grande motivo por esta
não recorrência esta no não simples facto dos mesmos (termos) não expresarem
aquilo que seria a ideia central, com que concordávamos. Perceba-se, sabendo
que a ciência não é normativa nem estática e não pode ser regulamentada por meras
concepções.
O Autor
PERCURSO
(histórico) DA ANTROPOLOGIA ANGOLANA
·
NA
PRÉ-ANGOLANIDADE (dimensão físico-cultural)
É o período que compreende a
entrada dos Bantu⃰ 1, na
região hoje Angola, e dura até à chegada dos lusos. Perceba-se de passagem,
todos estes factos devem ser postos em análises se, de facto, quisermos tratar
de um pensar antropológico angolano dinâmico, uma vez que a antropologia
estuda, essencialmente, o físico e a cultura, que por sua vez é dinâmica, dado
o elemento que a faz acontecer, isto é, Homem.
Os habitantes conhecidos, mais
antigos, são os Khoisan⃰ 2. Povos não negros e não Bantu, de
estatura pequena, com pela castanha clara, levemente amerela. O seu cabelo,
forma pequenos tufos e os seus olhos são
do tipo oriental.
Do ponto de vista social não se
organizavam nem em reinos nem em estados e tinham uma vivência comunitária
primitiva, onde o ansião era o chefe do grupo. A união a um homem ou a uma
mulher era tida como sagrada porque teria sido o principal meio por meio do
qual se perpetuaria o nome, o sangue de alguém, geralmente, o homoradices (o
homem que deu a oigem familiar), dai que o adultério era muito pouco frequente
e a ruptura do casamento raríssima. Se gundo José Redinha «não possuiam|posuem
iniciação masculina e puberdade era|é assinalada por uma simples reclusão de
natureza ritual».
Outro grupo pré-Bantu é o Vátwa-
o regime familiar assentava|assenta na poligamia, defendido pela tese seguinte:
aquele que tem maior número de mulher é detentor de riqueza, residente
intrisecamente nos seus descendentes ou filhos, e abençoado, uma bênção que se
reflete na multifamiliaridade. Veneravam|veneram um ser supremo e
praticavam|praticam culto aos espíritos dos antepassados.
Neste período encontramos uma
radicalidade cultural tradicional, ou seja, havia um carácter identitário
patente nas práticas genéricas dos pré-Bantu, tais como: as manifestações, a
organização social, a manufacturação, a regência socio-política, centrada numa
equitatividade familiar, a religião, a metodificação tradicional dos valores,
caracterizados pela ético-moralidade, etc. Estas viriam a mudar com a tensão
causada pela fixação dos povos Bantu.
A expansão Bantu foi uma acção de
conquista ampla que se estendeu ao território, hoje Angola, entre o séc. XII e
XIX. Um grupo fixou-se na margem esquerda do rio Kongo. Trata-se dos Bacongo.
Depois a região assistiu à penetração dos Ovanyaneka, bem como à dos Ovahelelo,
Bayaka, Vangangela, Ovambo, Tucokwe, Ovakwangali, etc.[1]
·
NA
ANGOLANIDADE
Compreende o período que vai da
chegada dos lusos aos nossos dias. Neste período encontramos uma posição muito
confusa nas articulações ideológicas e vivenciais da sociedade angolana, dada a
situação, literalmente, dos portugueses e a defesa dos valores que padronizavam
a sociedade angolana, ou seja, a nível de domínio há a questão da imposição social, que consiste na
implementação de critérios dominantes, que, por um lado, demarca a presença do
dominador na região, de forma autoritária, e, por outro, a forma de
estratificação social que permite a regência fácil da região dominada.
É neste processo dinâmico que a
posição antropológica angolana deve também ser analisada. Consideremos os
pontos seguintes, que influenciaram na vivência radical do angolano:
OS POVOS E SUAS CULTURAS
Os Bantu
angolanos, calculados entre 90 a 100 grupos etnolinguísticos, estão agrupados
em nove dez grandes grupos:
O GRUPO
ETNOLINGUÍSTICO TUCOKWE
O grupo cobre uma parte
significativa do país nas regiões do leste, desde o ângulo nordeste superior
direito até a fronteira sul, depois de atravessar o rio Kubango. Com um número
superior a 357,693 pessoas, é formado pelas etnias Lunda-Lwa-Cinde, Lunda Ndembo,
Mataba, Badinga, Mai. As tribos praticavam fundamentalmente a agricultura. A
escultura de madeira tem uma expressão
significativa na sua arte tradicional. O povo utiliza predominantemente a
língua Cokwe.
O GRUPO
ETNOLINGUÍSTICO AMBUNDU
O grupo vive numa grande extensão do
território nacional que se estende entre o mar e rio Kwangu, ultrapassando o
curso des te para leste. Com um número de 3.280.000 pessoas, o grupo é formado
pelos Lwanda, Hungo, Ntemo, Puna, Ndembo, Ngola, Mbomdo, Mbângala, Holo, Kari,
Xinje, Minugu, Songo, Bambeiro, Kisama, Lubolo, Kibala, Haku, Sende.
Tradicionalmente a agricultura era a
sua principal actividade. A cultura fundamental é a cassava ou mandioca. Foram
os primeiros em Angola no cultivo do arroz e no fim do século XIX já produziam
café para exportação. Assimilaram também fortemente a cultura europeia. A
língua do povo é o kimbundo.
O GRUPO
ENTOLINGUÍSTICO BAKONGO
O gupo ocupa o território de Cabinda
e a margem esquerda do rio Kongo, na região entre o mar e o rio kwangu. São em
número aproximadamente 1.680.000 e constitui o terceiro maior grupo do país. É
formado, entre ourtos, Basikongo, Bandongo, Zombo, Nsoso, Suku, Bayombe, Yaka,
Woyo, Pombo, Hungu, etc. Na sua maioria eram agricultores e tradiconalmente
utilizam a enxada para trabalhar a
terra. A mandioca é a principal cultura. Os Bakongo cultivam em grande escala o
café. Porém, entre eles, alguns mostram-se com grande apetência para o negócio,
outros para a confecção de mabelas (tecido de ráfia) em tear e ouros ainda
foram exímios mestres na manufactura de tecidos acetinados e aveludados,
ornados e policrómicos. A arte Kongo expressa-se de uma forma realista e
geométrica. A sua escultura é marcada por figuras femeninas, robustas e
sensualizadas. Os Bakongo são propensos a um misticismo particular, à criação
de instituições de carácter religioso e sincrético, tendência que se expandiu
até aos nossos dias em associação a do tipo profético-messiânico.
Desde os tempos mais remotos o
parentesco no clã era determinada poir linha materna, ateavés da qual se
determinavam em todo o caso as relações de pertença ao clã. O clã, encabeçado e
dirigido por um ansião, regulava as principais relações sociais.
Os Bakongo ocupam o noroeste do
país, entre o mar e rio Kwangu, nomeadamente as provincias de Cabinda, Zaire,
Uije e o Norte do Bengo. Foi com este povo que os portugueses contactaram
primeiro quando chegaram à região Angola. A língua falada é o kikongo.
O GRUPO
ETNOLINGUÍSTICO VANGANGELA
O grupo habita duas grandes regiões:
uma, situada nas províncias do Moxico Kwando Kubango na fronteira oriental
(Leste) desde a bacia do rio Zambeze ao curso do rio Kubango, e outra, situa-se
no centro do país, nas províncias do Bié e Malanje. Num número aproximado de
600.000 pessoas, reparte-se entre os Lwimbi, Lwena, Luvale, Lucazi, Mbunda,
Kamaxi,... culturalmente são mais chegados às tradições dos povos da bacia do
rio Zambeze. Dedicam-se à agricultura, a caça e pesca.
A sua arte é famosa pelas obras de
cerâmica, assim como as suas máscaras. Foram os primeiros na fabricação do
ferro. A lígua falada é Ngangela.
O GRUPO
ETNILINGUÍSTICO OVANYANEKA-NKHUMBE (NHANEKA HUMBE)
O grupo estabeleceu-se no planalto
da Humpata e nos territórios do curso médio do rio Kunene. Com cerca de 473.000
pessoas, são formados pelos Mwila (Huila), Ngambwe (Gambo), Ndongwena, Inglo,
Kwankwá, Handa, Cipungo, Ocilengue-Nkhumbi e Ocilengue-Muso.
Para o sustento estes povos fizeram
a criação do gado, para além de algumas culturas. É uma sociedade matriarcal, o
que faz supor que a autoridade familiar é atribuída ao tio materno e os
direitos de sucessão guiam-se pelo mesmo princípio. Em geral o herdeiro
principal é o filho da irmã mais velha. Uma das festas mais importantes é a
festa da iniciação. A terra dos Nhaneka é de propriedade comuanl e é o chefe do
clã que designa quem utilizará cada terreno.
Fg1: Mulheres
Nhanecas-Angola.
Os Nhaneka
costumavam destacar-se por seus adornos corporais, por suas pulseiras e por
seus penteados complicados. Há um culto da vaca entre os Nhaneka, que consideram
determinados animais, selecionados da manada, guardam as almas dos
antepassados. Hoje caiu em desuso a procissão anual percorria as terras de cada
jurisdição de um chefe religioso, com o animal sagrado para benzer as terras e
atrair as boas colheitas para o ano seguinte. Há quem veja nesta cerimónia
restos do antigo culto de Apis, no Egipto.
O GRUPO
ETNOLINGUÍSTICO OVAHELELO (HERERO)
Vive no extremo Sudoeste de
Angola, na orla do Namibe. Estimado em 120.000, formados pelos Ndimba, Himba,
Cavíkwa, Kwanyola, Kuvale e Kwendelengo.
Erradamente chamados de Dimara,
os Hereros chegaram as actuais fronteiras angolanas e namibianas com as suas
manadas de vacas, segundo as suas tradições, provenientes da zona dos grandes
lagos da África oriental e depois cruzaram a zâmbia actual e Sul deAngola,
chegaram ao rio Kunene por volta de 1550. Crê-se que viveram anteriormente como
Roruu antes de emigrar anté ao Sul. Mas não se pode confirmar a veracidade
destas palvras. A língua falada por este povo é Oshielelo (tciherero).
Fg2: Mulheres Hereros.
GRUPO ETNOLINGUÍSTICO OVAMBO
O termo genérico
Ovambo inclui grupos: o Ovakwanyama e o Ovandonga (Xindonga).
O nome Ambo
(singular) e Ovambo (plural) é de origem Herero, mas evitaram um nome que
englobasse todos os grupos. Na Namíbia o seu território é conhecido como
Ovamboland. Usam um idioma Bantu.
Precendentes das
zonas dos grandes lagos emigraram com os seus gados para se estabelecerem, em
meados do século XVI, nas terras compreendidas entre os rios Kwangu e Kunene.
O povo Ovambo
foi uma sociedade matriarcal em que os homens possuíam a autoridade, mas a
herança transmitia-se por linha materna. Ultimamente, a influência do
cristianismo, o trabalho de emigração e independência económica, estão
influenciando a uma maior tendência a uma sociedade patriarcal.
São excelentes
cavaleiros e os cavalos que possuem é por uma questão de prestígio dentro da
sociedade.
No passado, cada
comunidade era governada por um chefe hereditário. A distribuição da terra
dependia tradicionalmente do chefe da comunidade. A terra não se possui e não
se pode vender ou herdar quando o seu ocupante falece. Neste caso, as
autoridades decidem se o terreno em questão vai para alguém da família ou se se
reparte com mais pessoas.
Desde o
princípio dos séculos o cristianismo foi ganhando terreno no mundo das crenças
e hoje esta religião é maioritária. Mas, nas regiões rurais mantêm-se muita das
práticas da religião tradicional baseada no culto dos espíritos dos
antepassados. A disciplina e as normais sociais tradicionais mantêm-se assim
como as obediências ás pessoas mais velhas. Ainda celebram as bodas
tradicionais e que são cerimônias de iniciação dos jovens. Antes dessa
cerimônia as jovens não podem ter relações sexuais se não quiserem sofrer o
castigo da comunidade.
O GRUPO ETNOLINGUÍSTICO OVAKWANIAMA
(KWANHAMA)
O grupo
ocupa umvasto território nas planícies ao longo e ao meio da fronteira Sul de
Angola. Englobam os Evale, Kafina, Kwamato, Ndombondola, e Kwangali.
São por volta de 450.000 pessoas e são
fundamentalmente criadores de gado, apesar de praticarem também alguma
agricultura, que completam com a pesca que levam a cabo em rios pouco
profundos. A língua desse povo é o Oshikwanyama.
No princípio do século XIX, o grupo mais
numeroso, os kwanyama, chegou a constituir um reino que iniciaria o comércio
com os europeus, especialmente com os portugueses e com os comerciantes
alemães. Quando os portuguses quiseram ocupar as suas terras, encontraram um
exército bem armado e organizado que ocasionou grandes baixas e enormes
dificuldades. Eram os anos posteriores ao trabalho de Berlim em que as
potências europeias repartiram África onde os alemães e os portugueses
disputavam uma autêntica guerra na conquista de novos territórios. O reino
Kwanyama foi o último terreno submetido pelos portugueses, em 1917, devido à
traição de alguns kwanyamas, que armaram uma armadilha mortal ao rei Mandume.
Sua cabeça, como proova de sua morte, foi exposta durante meses junto à sua
antiga residência, Ondjiva. Mais tarde os mesmos portugueses ergueram uma
estátua em sua memória no centro da actual capital do Kunene, Ondjiva.
No Sul Ovandongas e Kwanyamas
opunham-se, armados, a que seu gado fosse requisitado pelo exército alemão, ao
mesmo em que lutavam contra os hereros por roubo de gado uns dos outros.
O GRUPO ETNOLINGUÍSTICO OVANDONGA
(XINDONGA)
O grupo é pouco denso, vive no
extremo Sudoeste de Angola nas margens dos rios Kubango e Kwando. Os Kusu e
Diriku perfazem cerca de 5.000 pessoas. A sua história, etnografia e modus
vivendi, são ainda pouco estudados. São também criadores de gado. Este povo tem
como língua o Oshindonga e é falada no Kwando Kubango e Namíbia.
O GRUPO ETNOLINGUÍSTICO OVIMBUNDU
Os ovimbundu ocupam uma grande
área no centro ocidental do país e estende-se desde o litoral até as regiões
montanhosas de Benguela.
Distinguem-se pelo menos 18
grupos Ovimbundu diferentes: Mbailundu, Vyié, Wambu, Ngalangui, Quibulos,
ndulu, Quinolos, Kalukembes, Sambu, Kakonda, Quitatos, Sele, Ambuis, Hanhas,
Gandas, Chikuma, Ndombe, Lumbu.
É o maior grupo etnolinguístico
angolano (cerca de 4.970.000 pessoas) e cumunica-se na língua Umbundu. O grupo
dedica maior importância ao cultivo de cereais.
A língua Umbundu é uma das
línguas mais centrais de Angola falada no planalto central. A sua área de
difusão engloba três províncias que são Bié, Huambo e Benguela. Todavia, sua
influência é notável noutras províncias vizinhas como é o caso do Namibe, a
parte Noroeste do Kwando Kubango e uma parte Norte da Huila.
UNIDADE NA DIVERSIDADE
Obviamente que,
como já referimos no ponto anterior, todos têm uma cultura identitária que
perpassa valores tradicionais, habitos, formas de organização social, etc,
criando um conjunto de comportamentos referenciais que permitem estabelecer a
diferença dos mais variados povos.
Os de Angola não
fazem a anormalidade, são identificados singularmente por meio de expressões
transculturais radicais, ou seja, típicas da região, como afirmava, em uma
conversa solta, Pe. Andrade*3 «...
Em Angola, não se fala de cultura angolana, sim, de cultura de povos angolanos...»[2]
Ora, quando se
fala de diversidade popular, a frase tem o seu peso e ganha corpo,
circunstancialmente, porém vamos de encontro a ela quando se mete a questão da
unidade populacional que demarca a presença de todo um conjunto,
sócio-politcamente, potante dos mesmos ideais e da mesma região.
É desta última
questão que gostávamos de falar pormenorizadamente, de tal forma que se perceba
aquilo que são os aspectos caracterizantes da expressão cultural angolana.
É
muito importante que se diga o não simples facto de Angola ter sido constituído
por povos, advindos da família Bantu e não bantu, cria, à primeira vista, uma
impressão difícil de se enteder, em matéria de identidade cultural nacional, se
se não considera a imposição do povo Bantu sobre os não Bantu (Khoisan, Vátwa),
depois da sua victória sobre estes e consequentemente situação geográfica, ou
seja, da ânsia de querer, o dominador, criar um ambiente sadio e
correspondecial às suas espectativas nasce a ideia de estabelecer parámetros de
vivência e convivência social, fazendo que os dominados se inserissem- o que a
Sociologia chama de acomodação coersiva- no ambiente genérico do dominante
(Bantu).
Disperta
atenção, o modo de que se serviu, o dominante, para erradicar os
tradicionalismos dos dominados, pois permitiu que estes se reencotrassem,
embora fosse uma aculturação, por um lado, e para neutralizar as barreiras da
unidade cultural entre eles, por outro lado, tal é assim que se verifica um
total enquadramento das gerações «crioulas»⃰ 4 ou que
nasceram da imposição cultural, no ambiente Bantu.
Tendo percebido
a diversidade, estamos em condições de reflectir nos traços que unem um ao
outro, e que fazem a cultura angolana (do povo). De facto, há a considerar
aquelas atitudes transculturais,
chamadas também, preferencialmente, pontos de referência cultural comum, tais
como:
a) O ritual
do batuque;
b) O
naturalismo religioso;
c) A
homocentria;
d) A
familiaridade des-sanguínea;
e) O culto
aos antepassados;
f) Genocentria;
g) A crença
na omnipresença do supremo;
h) A crença
na interligação entre pais e deuses;
i)
Crença na interligação entre
sujeito-objecto;
j)
A crença na detenção da sabedoria pelos
mais velhos;
k) A crença
na interligação entre sabedoria e bênção;etc..
Fg3 e 4: Rituais do batuque em
regiões diferentes de Angola.
ASPECTOS DA ARGONIZAÇÃO SOCIAL
A vida em comunidade é definida, como sendo a
forma de convivência social na qual um grupo pequeno de pessoas compartilha
voluntariamente a vida. Nela é considerado mais importante o bem-estar do grupo
que o do indivíduo. Os grupos comunitários às vezes tentam estabelecer
instituições permanentes para manter valores utópicos, como o da sociedade
ideal, que somente seria possível com as pessoas, vivendo e trabalhando de
forma conjunta.
Em Angola, quando se fala do
aspecto de organização social, fala-se das variadíssimas formas de
extratificação da sociedade em cause. As
mesmas não são nem foram uniformes, querendo dizer que houve
divergências, tendo em conta a situação social de cada região administrativa. Algumas
regiões destacaram-se para podermos descobrir, pelo modelo de vida, as suas
formas de pensamento e os seus valores sociais:
1-A comulação de bens e de poder
na mão de certas famílias, concentrou nelas o poder político sobre os clãs e os
respectivos territórios.
2-A transmissão
do título de chefe da aldeia fazia-se por via materna e ao sucessor era
atribuído poderes pelos antepassados que
tinham fundado a aldeia. Além da classe dirigente havia os camponeses que
constituiam a maioria da população e os artesãos ocupados em trabalhos de
metal, madeira, tecelagem, cestaria, etc.
3-Embora não
estivessem ligados à produção, existiam
os grupos de advinhos, curandeiros, dançanrinos, músicos, que tinham a
sua função social.
4-Tal como hoje,
estavam divididos em provícias que por sua vez em distritos. As províncias eram
chamadas de Tumbu.
5-Cada tumbu possuia numerosas
aldeias e cada aldeia estava dividida em bairros. Os chefes de bairros e de
aldeia (Sekulo) ⃰ 5 eram
nomeados pelo povo e tinham sempre que acolher as palavras do conselho do
velhos.
6-A propriedade era comunitária
(terras, rios, florestas, etc.). Os privilégios e direitos prncipais adquiridos pela posição siocial dindividuo também
estavam dentro da regra do direito matrilinear. Mas muitos dos instrumentos de
trabalhos de eram privados dada a perícia singular de manuseio. O produto de
trabalho era ora individual ora colectivo.a família extensa era o critério da
ligação quer afectiva quer sanguínea.
O PODER DAS
PALAVRAS E DOS NOMES
·
AS
PALAVRAS
Nós, que temos
prontamente à nossa disposição tantas formas de actividade e distração, nem
sempre nos apercebemos da importância assumida pelas palavras e pela fala nas
sociedades angolanas.
Para muitos
povos, entre os quais o angolano, mesmo uma conversação normal pode ser de
primordial importância e é muito raro verificar-se que em tais casos as
palavras sejam formadas logicamente. Declarações que nós classificaríamos como
pura tagarelice ou mera conversa podem
ser levadas muito a sério e cuidadosamente analisadas. Ao contrário do que
acontece com certos povos ocidentais, o angolano presta considerável atenção
mesmo às observações de pessoas conhecidas como mentirosas.
Alguns
antropólogos acham que o valor que muitos homens e mulheres, nas sociedades
angolanas, atribuem às palavras deriva do facto de confudirem a palavra e a
coisa que representa. Assim, se uma é importante, também o deverá ser a palavra
que a representa. Um certo antropólogo julgava que poderemos ver na atitude angolano-bantu, em relação à fala, um
antecedente encoberto de algo conhecido de todos os psicólogos e psiquiatras.
Sabem quantas coisas uma pessoa pode revelar de si mesma, quando encorajada a
falar sem qualquer restrição. Mesmos as mentiras evidentes podem ter um
significado profundo.
Se avaliarmos o
quanto as palavras significam para os povos Bantu, neste particular o angolano,
poderemos facilmente compreender porque razão os oradores e a oratória são tão
considerados. De facto, não é qualquer que consegue prender uma assistência. Um
grande orador, que pode moldar os pensamentos e as acções dos seus ouvintes à
sua vontade, raramente é encarado como um mortal vulgar. Em muitas sociedades,
restritamente angolanas, nenhum homem pode aspirar a ser um chefe se não for um
bom orador. A palavra, para o Bantu, é metade de quem a fala de quem a ouve.
·
OS NOMES
Os nomes são
ainda mais importantes que as palavras. Assim, pode demonstrar-se que os nomes
também são frequentemente entedidos, como sendo mais ou menos a mesma coisa que
as personagens ou coisas que representam. Deste modo, vermo-nos livres do nome
de uma pessoa, equivale, para o angolano, a vermo-nos livres dela própria. É esta
a razão por que os nomes não são livremente divulgaldos, e por que, em certas
sociedades angolanas, os casais esperam largos anos antes de ganhar coragem
para revelar um ao outro o seu verdadeiro nome-basta que a gente repare no
significado da frase «conheci o nome dele (dela)», o
mesmo é dizer que entrei no mais profundo do seu ser.
Para fins de
conveniências à identificação, as alcunhas fazem as mesmas vezes. Usam-se para
diversos fins, mas em grande números dos casos a função é manter escondido o
verdadiro nome.
Os nomes podem
também representar ou substituir conceitos abstractos ou não sensoriais. Os
nomes de poderes sobre naturais são cuidadosamente escondidos para não cairem
em mãos ímpias «Não invocarás o nome do Senhor em vão»*6 é um mandamento
largamente espalhado. E fazer que os nomes dos deuses de alguém sejam conhecidos
por um seu adversário é uma das mais altas traições, equivale a entregar, aos
inimigos, as deidades.
Todos os povos
Bantu, curiosamente, não atribuem os nomes clandestinamente ou a seu bel
prazer, sim, tendo em conta a realidade histórica da família ou do indivíduo e
a realidade circunstancial daquela ou deste. O grande poder das palavras e dos
nomes não esta, portanto, limitado às sociedades angolanas.
CRENÇAS
A melhor maneira
de começar, antes de entrar nas subjectivas associações humanas com a palavra,
tão carregada de significado, é rever o conceito simples em um dicionário de
vesbele: fé- acreditar sem evidência.
A fé pode ter
vários significados. Assim, podemos ter fé em um objecto ou pessoa ou ainda em
um credo (dogmas de cada religião). Algumas
vezes, fé significa compromisso, podendo ser ou cego ou submisso. A fé é uma
parte importante da identidade religioso-cultural.
Nas crenças
angolanas, há questões diversas que devem ser tidas como elementos
indispensáveis para o estudo e aprofundamento dos aspectos intrísecos. Entre os
quais, digam-se, o mito e religião:
·
MITO
O termo grego Mυθοs
(mythos) significa palavra. No
pricípio, a única palavra era a palavra falada. Isto aponta para dois aspectos
diferentes, mas igualmente importantes do mito. Por um lado, o mito pode
definir-se como o conjunto de narrações orais, anónimas transmitadas de geração
a geração; por outro lado, o mito pode considerar-se como uma verdadeira linguagem, cuja continuidade
deve ser salvaguardada.[4]
O mito pode ser
a explicação de um facto do passado ou do presente. Pode ser, igualmente, a
explicação ou a justificação de uma determinada prática, social ou cultural
desse passado ou presente, consistindo assim espécie de pseudo-racionalização
dessa prática. O mito pode ser ainda um projecto, um elementto aglutinador das
forças sociais, tendo em vista um objectivo que se apresenta como desejável
para todos ou quase todos os membros dessa sociedade. Naturalmente, a nossa
tratação não se vai referir a esta terceira acepção do termo. Convém, todavia,
precisar que o mito é uma realidade cultural extremamente complexa, que pode
ser analisada em perspectivas
multiplices e complementares. Às descrições feitas acima, portanto, podemos
acrescentar uma mais vasta: o mito, referindo-se a tempos primordiais, narra
uma história sagrada; refere-se a um acontecimento que teve lugar no tempo das
origens, onde o tempo e a divindade se confundem.
Por ouras
palavras, o mito narra como, graças às gestas dos seres supremos, uma realidade
veio a existir, seja que se trate da realidade total, o cosmos, seja que se
trate do fragmento dela. Visto ser a reportagem das gestas dos seres supremos e
a manifestações das suas potências sagradas, o mito é um modelo exemplar de
todas as activdades humanas significativas. Se perguntarmos, por exemplo, a
um angolano mais velho e genuíno, porque
celebra certas cerimónias e assim daquela maneira, a sua resposta será
categórica: «porque os nossos antepassados assim fizeram».
Se ainda
perguntarmos a um Ovimbundo,
questões relativas ao surgimento do
Mundo-humano, responderá segundo a mitologia
ngalangi, isto é: « Um dia caiu do céu um ser de nome Féti,
que quer dizer o principío. O bom dele deu em percorrer a terra e notou que,
havendo muitos animais, havia um ser impar que era ele. Que aborrecimento e
enfado sentir-se tão só no meio dessa criação! Para ver se espairecia,
lembrou-se de ir ao Cunene para caçar um pouco. Pega, pois,nas armas e vai em busca de um hipopótamo, que lhe
fornecesse carna e gortdura. Horas equecida esesteve feti à espera de uma peça
de caça quando em vez do suspirado animal vê surgir das águas uma forma humana,
muito semelhante a si mesmo: era a primeira mulher a quem denominou Tchoya,
que, derivando do verbo okuoya, quer dizer enfeite, ornato, perfeição. E tão bela, tão garrida e
achou o nosso feti que dela se enamorou e com ela fundou a primeira família que
luz do sol foi ilumanada. Passaram dias, meses, e numa bela manhã foram os ecos da mata despertados pelos
vagidos de um novo ser, que viera albergar a habitação do felizardo Féti. Não houve ave do céu, nem animal da floresta,
que não viesse dar aos pais os parabéns por tão bom acontecimento. Encantados,
impuseram os progenitores aos recém nascido o nome de Ngalangi. Passaram
tempos, e eis que em casa aparece um novo bebezinho, desta vez uma menina, a
quem chamou Viyé, provem do verbo okuiya, que em português se traduz por vir.
Queriam os pais significar que aquela filha havia de chamar a si as populações
e ser o tronco de uma grande família. E Viyé veio a ser a mãe das raças do
norte, isto é, das terras do Bié, enquanto foi o pai das gentes do sul. Assim
contam os Ngalangi e terminam por afirmar que deles descendem todos os
habitantes do Bié, Huambo, Sambo, Cuíma e Caconda».
Portanto, não os
pais, não os avós, mas os antepassados. Isso demonstra a consciência da unidade daquele velho com os ancestrais. Por
ser uma narração que relata os
acontecimentos que tiveram lugar no tempo primordial, o mito engloba todas as
qualidades típicas dum povo, que por sua vez, vai ao mito para reconstruir a
sua identidade.
·
RELIGIÃO
Religião é um
termo que nasceu da língua latina: "religare"
= "religar", o que poderia
significar a tentativa humana de "religar-se":
a
suas origens, a seu(s) criador(es), a seu passado. Acabou sendo adotado
para designar qualquer conjunto de crenças, normas e valores que compõem artigos
de fé de determinada pessoa ou conjunto de pessoas.
A ideia de religião, no
pensamento angolano, contempla a existência de seres superiores que teriam
influência ou poder de determinação no destino humano. Esses seres são
principalmente os deuses, que ficam no topo de um sistema que pode incluir
várias categorias: anjos, demônios, elementais, semi-deuses, etc.
Noutras definições, ainda no
pensamento angolano, mais amplas de religião, dispensam-se as ideias de
divindades e focalizam-se os papeis de desenvolvimento de valores morais,
códigos de conduta e senso cooperativo em uma comunidade. Sociologicamente, até
mesmo o Marxismo pode ser considerado uma religião.
Em algumas comunidades religiosas
angolanas, a existência de deuses é
caracterizada pelas forças da natureza, percebendo-os como fenómenos
individuais e independentes. Assim, apresentamos, da religião tradicional Bantu-angolana, os principais Jinkisi/Minkisi, Divindades do Panteão
Bantu:
Nzambi
ou Nzambi Mpungu- é Deus supremo e Criador;
Aluvaiá, Bombo Njila, Pambu Njila:
intermediário entre os seres humanos e o outros Jinkice;
Nkosi: Senhor dos
Caminhos, das estradas de terra;
Mukumbe, Biolê, Buré:
qualidades ou caminhos desse nkise;
Ngunzu: engloba as
energias dos caçadores de animais, pastores, criadores de gado e daqueles que
vivem embrenhados nas profundezas das matas, dominando as partes onde o sol não
penetra;
Kabila: o caçador
pastor, O que cuida dos rebanhos da floresta;
Mutalambô, Lembaranguange:
caçador, vive em florestas e montanhas; deus de comida abundante;
Gongobira: caçador jovem e
pescador;
Mutakalambô: tem o domínio
das partes mais profundas e densas das florestas, onde o Sol não alcança o solo
por não penetrar pela copa das árvores;
Katende: Senhor das
Jinsaba (folhas). Conhece os segredos das ervas medicinais;
Nzazi, Loango: São os próprios
raios;
Kavungo, Kafungê, Kingongo: deus de
saúde e morte;
Nsumbu: senhor da
terra, também chamado de Ntoto pelo povo de Kongo;
Hongolo ou Angorô: auxilia
a comunicação entre os seres humanos e as divindades;
Kitembo: Rei de Angola.
Senhor do tempo e estações;
Kaiangu: têm o domínio
sobre o fogo;
Matamba, Bamburussenda, Nunvurucemavula:
qualidades ou caminhos de Kaiangu;
Kisimbi, Samba Nkice: a
grande mãe; deusa de lagos e rios;
Ndanda Lunda: Senhora da
fertilidade, e da Lua, muito confundida com Hongolo e Kisimbi;
Kaitumbá, Mikaiá, Kokueto: deusa
do oceano;
Nzumbarandá: a mais velha das
Nkisi;
Nwunji: Senhora da
justiça. Representa a felicidade de juventude e toma conta dos filhos
recolhidos;
Lembá Dilê, Lembarenganga, Jakatamba,
Kassuté Lembá, Gangaiobanda: conectado à criação do mundo;...
A IMORTALIDADE
Neste aspecto, como em outros já
frisados, o pensamento do angolano é semelhante ao do Bantu. Longe do centro da
cultura grega, em relação ao tempo e não à origem, graças à nossa capacidade
especulativa, por meio dos nossos génios, chegamos ao dogma da crença nos
espíritos dos antepassados que sempre nos acompanham, habitando em nossas
casas, quais guardiões não só dos muros, mas também, e sobre tudo, das pessoas.
É claro que esta crença não apresenta uma fronteira clara quanto ao sentido
linear ou cíclico da história.
Em África Bantu, a crença na
imortalidade da alma não é apenas um teor, mas um facto com consequências
práticas que envolvem o individuo, a família e a sociedade. Da crença na
imortalidade nasce, por via dedutiva, a construção do lugar ideal, a habitação
dos espíritos bons e do lugar maldito para onde vão os espíritos maus.
Estes dois estados não são
estáticos, mas dinâmicos. Cada um dos espíritos, dependentemente do estado em
que se encontre, tende a influenciar os seres humanos, como individuos ou
grupo, na comunidade onde terá vivido. As graças são concedidas pelos espíritos
bons aos homens, não aos homens quaisquer, àqueles da tribo, do clã e da
família.
As graças e bênçaos não caem como
a chuva sobre so seres, inculindo todos os homens; elas são direcionadas e
atribuídas a pessoas ou comunidades singulares que têm relação com tal ou tais
antepassados.
Os espíritos dos antepassados
maus são repelidos, afastados da comunidade por meio de ritos, imprecações,
porque são portadores de maldições e desgraças na vida do individuo, no seio da
família e da comunidade.
Toda essa reflexão espiritual,
fundamenta-se na visão de umprincípio criador, orientador e providente- deus,
que é pai e protector (Suku ondjali, oyendula ñgo ka pesela)-ad literam
(deus é pai, pode inclinar, mas nunca entorna-deus pode punir, mas nunca
destroi a sua critura). Desde o nascimento o homem caminha, através das
peripécias da vida, em dircção aos antepassados. Seus feitos nesta vida
determinam-lhe o prémio ou castigo, tornando-o benfeitor ou malfeitor dos
presentes na comunidade.
Note-se que a cessação da vida,
para o Bantu, não significa aniquilamento total, mas passagem para um outro
estádio também ele de vida feliz ou infeliz.
Para o Bantu a história não está fechada
na circularidade temporal física, mas se abre para a eternidade do além-túmulo.
Tudo se torna uma trajectória. A história compreende o presente físico e o
espiritual. Os espírito dos antepassados fazem parte da trama histórica do
homem na sua família, tribo, etc.
Enquanto africano-bantu,
agradecemos a sistematização dos conceitos sobre o homem e deus oferecida por
outros povos, de quem podemos ser devedores na forma e não no conteúdo.
Apenas palavra de Deus e cristianismo
constituem a grande novidade, pelos séculos fora, que continuam a iluminar as
culturas e os povos. Eles são a essência daquilo em que o espírito humano deve
aderir consciente e livremente (Deus não obriga propõe e Cristo, qual revelação
do Pai diz: se alguém quiser seguir-me, renegue-se a si mesmo,tome a sua cruz e
siga-me)*7.
EXPRESSIVIDADE
ANTROPOLÓGICA:
·
DAS ARTES
Aponta-se, com freqüência, o contraste
entre a natureza funcional da arte Bantu e a natureza mais estética da arte
ocidental. Embora seja verdade que, até recentemente, apenas uma pequena parte
da produção artística Bantu tinha como
objetivo ser contemplada esteticamente, os aspectos formais e estruturais dos
seus objetos, construções, poesia e espetáculos são bastante difundidos. Um
crescente número de estudos demonstrou a existência de um sofisticado e
minucioso vocabulário do discurso estético em muitos idiomas e obras angolanas.
A noção de que os artistas em Angola são
figuras anônimas, reproduzindo estilos tribais fixos, é equivocada. Como no
restante do mundo, os artistas trabalham dentro de um contexto social e de uma
tradição, que são reelaborados nos objetos que criam. Em alguns casos, os
artistas desfrutam de status por manipularem e transformarem palavras e outras
matérias como, por exemplo, o ferro. Freqüentemente, os artistas pertencem a
castas que controlam o conhecimento mitológico e se casam apenas com membros de
outros grupos igualmente especializados. Onde a arte era uma ocupação
especializada, passava informalmente de pai para filho, geração a geração. Na
maioria das culturas, havia uma divisão do trabalho estabelecida pelo sexo, de
modo que os trabalhos de fundição de metais (o ferro, por exemplo), a escultura
em madeira e um certo tipo de tecelagem eram ocupações masculinas, enquanto a
cerâmica, as pinturas domésticas e religiosas e a tecelagem, tipicamente
femininas.[5]
Até recentemente, a noção de entidade
tribal era vista como fundamental para a classificação dos povos angolanos em
grupos ordenadamente ligados, identificados, cada um deles, por um idioma, um
sistema de crenças, uma organização social e um estilo artístico em comum. Essa
abordagem ignora os múltiplos padrões de influência e interação existentes
dentro de cada grupo lingüístico. A identidade étnica é, portanto, apenas um
elemento numa série de identidades que os indivíduos e os grupos adotaram em
resposta a determinadas situações, particularmente nos períodos colonial e
pós-colonial. Dessa forma, longe de refletir numa identidade fixa, os estilos
artesanal e artístico desempenham um importante papel no permanente processo de
formação de identidades.
Fg5: Máscara-arte angolana.
Fg6:
Um
autêntico artista angolano.
·
DOS GESTOS
Erram rotundamente aqueles que
pensam que adimensão espiritual anula o bem-estar do corpo; alma não está
dissociada do corpo; está inserida e encarnada no corpo humano. Apenas através
do corpo ela se pode exprimir, comunicar e atingir o seu fim. Neste sentido, o
corpo é a manifestação simbólica da dimensão interior e espiritual do próprio
homem, como diz o hiponense ´´sentir é próprio da alma pelo corpo´´.
De facto, toda a esfera da
afectividade-amor, simpatia, compaixão... como também o medo, a hostilidade, a
indiferença...exprimem-se através de gestos corpóreos, com ou sem a palavra,
participando da secreta virtude comunicativa do silêncio. Isto vale não só para
a esfera afectiva, como também para esfera intelectiva: o lhar. Agestualidade
do rosto, a gesticulação das mãos... acompanham, sublinham e exprimem o esforço
de comunicação racional numa união imprescindível coma palavra a fim de atingir
aquela intersubjectividade a qual tende toda a individualidade no seu sentido
integral.
A corporeidade humana é
efectivamente um ´´fenómeno´´, ou seja, manistação de qualquer coisa que a
ultrapasssa; é simbolo de uma realidade mais profunda. No corpo, lemos a
bondade e a malícia, a alegria e a serenidade, a astúcia, a preguiça... de um
homem.
O corpo é expressão, é
visibilidade externa da alma. O que se passa nela, manifesta-se na expressão do
rosto: alegria, dor, bondade, nervosismo, amor , ódio, confiança e
desconfiança. Tudo isto se exprime nos gestos, no comportamento externo, não só
no conteúdo, mas também no modo de agir. Por isso, o que é corpóreo torna-se
simbolo ou imagem daquilo que é espiritual.
Outra das actividades que
demostram a não possibilidade da redutibilidade do homem ao simpels corpo é,
precisamente, a sua caoacidade de educabilidade e dependência. É através da
espiritualidade, da inteligência que o homem se educa.
Do corpo, a racionalidade obtém simplesmente
o suporte sensível como porta do seu exprimir-se e não a essência do seu ser.
Por outro lado, enquanto os irracionais se tornam, pouco tempo depois do seu
nascimento, independentes de seus progenitores, o homem qual criatura mais
débil, necessita de um acompanhamento até atingir a matruridade. «A acção da alma é pura, porém a
compactuação, que o corpo vai mantendo com o meio, exigindo este uma resposta
daquele, torna-a corruptível»*8.
As expressões
vocais a que um grupo social pode atribuir significados simbólicos cobrem um
vasto âmbito de possibilidades. Sons, tais como cliques, assobíos, roncos,
soluços ou queixumes, gritos, gargalhadas, risos e sorrisos, etc, podem
ser grandes determinantes do estado de alma do individuo na linguagem ou na
forma expressiva angolana que valoriza, diga-se, o mundo da disposição emotiva
desde os simples gestos ou posição corporais, dentro de uma realiadade, podendo,
esta, ser histórica ou neo-circunstaciais até os feitos diversos.
Há, do ponto de vista
linguístico, uma característica genuína,
como é o caso, diga-se, do uso estensivo de prefixos. A
característica gramatical mais proeminente dos idiomas bantu é o uso extensivo
de prefixos. Cada substantivo pertence a uma classe e cada idioma pode ter
aproximadamente dez classes, um pouco como gêneros em idiomas europeus. A
classe é indicada por um prefixo no substantivo, como também em adjetivos e
verbos que concordam com aquele. O plural é indicado por uma mudança de prefixo.
O verbo tem vários prefixos. Por exemplo, «em Swahili Mtoto mdogo amekisoma»
significa «A criança pequena leu isto (um livro)». Mtoto = criança governa
o prefixo do adjetivo m - e o
sujeito do verbo com o prefixo a - .
A seguir vem o tempo do verbo (perfeito) -me
- e um marcador de objeto -ki -
concordando com kitabu (implícito),
livro. O plural desta frase é: Watoto wadogo wamekisoma; se usarmos
o plural para livros (vitabu ), a frase torna-se: Watoto wadogo wamevisoma.
·
A LÍNGUA
E A CULTURA (convergência e divergência)
Antes que descorramos no tema
directamente, fazemos um recurso à definição conceitual e etmológica dos dois
termos em questão:
Língua-
conjunto de signos previamente estipulados e conhecidos, genericamente, por uma
determinada comunidade linguística. Os signos regularizam ou padronizam as
várias formas de comunicação entre as pessoas, ou seja, interpessoal.
Cultura- deriva
do verbo latino colo,ere, que
significa cultivar. Assim sendo, o conjunto das variadíssimas formas
expressivas que caracterizam os hábitos, valores, pensamentos e filosofias,etc,
de uma determinada sociedade e denominada cultura, podendo esta ser identitária
e alteriada.
Cultura
identitária-
Os hábitos, valores, outrossim, práticas típicas de um povo.
Cultura
alteriada-
Hábitos que entram na cultura ou pela globalização ou pela interferência directa
entre diferentes sociedades.
Ora bem, relactivamente à
questão, tendo pressupostamente as definições, digamos o seguinte: Não pode a
cultura ser uma língua por não ser constituida essencialmente por padrões
linguisticamente condutores da comunicação social. Doutro modo, é uma expressão pessoal|individual e
populacional. Perceba-se, quando se fala de cultura como forma de expressão
individual ou populacional, não significa que ela seja uma língua. Sim, uma
forma, se não a principal, por meio da qual a pessoa expressa o que lhe vem da
alma e o que lhe vai à alma. Em contra posição, a língua é uma cultura, pois
além de ser um meio de comunicação social é uma forma de que fazem partes
inúmeras particularidades que, muitas vezes, determinam as características de
uma sociedade.
Portanto, a língua, como forma
cultural, aponta-nos para uma utência responsável, uma vez que tráz consigo as
marcas daquilo que são os valores de uma sociedade que se preze tradicional.
INTERFERÊNCIAS
NO PENSAR ANGOLANO
Devido aos factos já mencionados
no I capítulo, a antropologia angolana, da era da angolanidade, principalmente,
foi tendo um certo alento, na concepção de que esta reflexão, na sociedade e no
pensamento humano, bastava para explicar a complexidade social e cultural da
angolanidade. Não obstante este facto, surge o problema da incompatibilidade,
ou seja, a antropologia punha, em estudo, os hábitos, usos e costumes da Angola
rural, os quais eram vistos com suspeição, aliás como uma auténtica arma de
encontro à unidade nacional, por se apresentarem como factores do regionalismo,
tribalismo, racismo, domismo e outros que eram, ou são ainda, considerados
contrários à ideologia reinante no momento.
Como sabemos, os
mais velhos trouxeram cantigas, rezas, em Kibundo, Kikongo, Umbundo e em outros
dialetos. Muita coisa se perdeu até mesmo por haver a associação com as
tradições periféricas, que foi em ultima instância prejudicial para as
tradições bantu. Não que estas sejam mais certas ou mais erradas, mas que cada
tradição deve ser mantida e respeitada, pois faz parte da história da própria
humanidade, de como nos organizamos, como desenvolvemos outros falares, de como
nos organizamos como sociedade, etc. E ao que parece, tínhamos um culto primitivo
comum que com as distâncias das eras e também geográficas, foi modificando-se e,
incorporando-se-lhe novos elementos.
Por exemplo: Relativamente
aos cultos, a tridição reza que acima de tudo está Nzambi Mpungu (um dos seus
títulos), deus criador de todas as coisas- Alguns povos Bantu chamam deus de
Sukula outros de Kalunga e outros nomes ainda associam-se a estes. O Culto a
Nzambi não tem forma nem altar próprio. Só em situações extremas eles rezam e
invocam Nzambi, geralmente fora das aldeias, em beira de rios, embaixo de
arvores, ao redor de fogueira. Não tem representação física, pois os Bantu o
concebe como o incriado, o que o representar seria um sacrilégio, uma vez que
Ele não tem forma. No final de todo ritual Nzambi é louvado,
pois Nzambi é o princípio e o fim de tudo.
Não temos
objetivo de afrontar ninguém, mas sim de trazer alguns esclarecimentos sobre os
cultos radicais Bantu, que ainda sobrevivem nos anais da antropologia angolana
e, se não nos posicionarmos devidamente, estaremos contribuindo para sua
extinção.
Em quase toda a Angola, o século XX foi
um período de rápidas mudanças. Muitas instituições religiosas, sociais e
políticas locais — como cultos mágicos, hierarquias etárias e cortes reais,
maiores patronos da arte — foram substituídas ou, pelo menos, modificadas pela
conversão ao cristianismo, educação, trabalho assalariado e a chegada do
conceito moderno de estado. À medida que as pessoas se envolviam com essas
mudanças, muitas práticas artísticas antigas deixaram de ser relevantes e foram
esquecidas, ou reduziram-se sensivelmente. No entanto, onde as tradições ainda
são vistas para atender a necessidades presentes — por exemplo, nos ritos de
passagem do status de jovem para adulto —, elas continuam, se bem que adaptadas
para respeitar feriados escolares e atender às aspirações contemporâneas.
Surgiram novas práticas artísticas, ao mesmo tempo em que algumas antigas
manifestações se adaptaram aos novos tempos e se expandiram. Em alguns casos,
ideias recém-criadas de identidade étnica, estimuladas pela concorrência ou
repressão dentro de nações-estados, promoveram uma expansão e transformação de
elementos aproveitados do passado. Em algumas áreas, as indústrias turística e
cultural passaram a financiar os entalhadores e outros artistas, embora também
tenham acelerado a decadência de muitas tradições através da aquisição e
exportação de milhares de obras antigas.
O desenvolvimento da pintura e da
escultura, com estética européia, foi um fenômeno, impulsinante, do século XX.
Porém há dois grandes obstáculos ao desenvolvimento deste tipo de arte: um
relacionado à educação formal nas escolas de arte e o outro relacionado ao
conflito entre as tradições pedagógicas locais e os diversos cursos promovidos
pelos europeus.
Como o regime colonial, em vigor no
começo do século, não achava necessário proporcionar educação artística para o
povo, os pioneiros desse desenvolvimento foram um pequeno número de homens que
conseguiram levantar fundos para estudar na Europa. Estudantes de algumas
instituições angolanas rapidamente começaram a questionar a ênfase européia no
curriculum e a exigir maior relevância local.
O problema enfrentado pelos chamados
rebeldes assimilados ainda desafia muitos artistas angolanos da atualidade: ou seja,
se eles devem ou podem construir uma típica dimensão africana através da sua
obra, ao mesmo tempo que contribuem e lutam para serem aceitos pelo mercado da
arte contemporânea. Uma resposta difundida, ecoando a filosofia da síntese
natural do Bantu, tem sido procurar inspiração nos textos e símbolos locais,
como por exemplo. Nos outros lugares, artistas têm combinado a inovação formal
com uma exploração das possibilidades de pigmentos e materiais locais. No
entanto, outros defendem que os artistas angolanos têm a obrigação de fazer
experimentações em qualquer forma ou meio de expressão que escolherem, sem se
limitarem por nenhuma noção preconcebida de identidade angolana.
A segunda grande corrente artística não
local se origina em uma série de cursos informais, escolas profissionalizantes
de missionários e outros projetos educacionais individuais patrocinados por
entidades européias. Em contra partida, erguem-se, a par dos rebeldes
aculturados, muitos promotores, achavando que, mais importante do que ensinar
arte aos estudantes, era levá-los a conhecer a riqueza mística angolana, que se
perderia se os artistas fossem expostos apenas à história da arte ocidental.
Agora, tendo em conta o refirido
contexto, há uma grande complexidade na expressivaidade que demarca o
pensamento genuíno. Por exemplo, artistas há, trabalhando em uma série de novas
formas e tradições que surgiram no período colonial e pós-colonial. Alguns
deles, produzem visando os turistas ou o mercado externo. Outros, como os
pintores de mural, trabalham voltados para o mercado local. Alguns nomes desse
último grupo de artistas foram selecionados por colecionadores europeus e, por
essa razão, tiveram que fazer algumas adaptações no estilo do seu trabalho.
Embora o trabalho desses artistas seja
interessante, muitos especialistas têm criticado, por não acarretarem uma
tentativa de resgatar uma Angola exótica e primitiva.
O MUNDO
VALORATIVO E A ANGOLANIDADE
«Um valor é sempre o resultado de uma relação entre um objecto e um padrão
utilizado pela consciência que avalia uma acção realizada ou a realizar. Por
outras palavras, empregamos a palavra valor para nos referirmos a algo que não
nos deixa indiferentes e, por isso, nos provoca estima ou repulsa, amor ou ódio.
O valor é assim uma espécie de “mais-valia” que acrescentamos a alguma coisa ou
a um “facto”. Isto é, são qualidades que lhes atribuímos em função de
sentimentos e, por isso mesmo, considera-se que os valores são subjectivos, relativos, ou seja, o
resultado de uma escolha que depende da atitude, educação, cultura, etc., de
cada um.»*9
«Aos olhos do sociólogo, os únicos valores reais são sempre os de uma sociedade particular;
são os ideais que uma colectividade escolhe para si e a que adere. Os valores são pois sempre
específicos duma dada sociedade: são-no também dum tempo histórico, porquanto
variam não só no tempo como de uma sociedade para outra.»⃰ IDEM
·
OBJECTIVIDADE
E SUBJECTIVIDADE DOS VALORES
Os valores valem
por si mesmos, independentemente das relações que os homens possam manter com
eles? O mesmo é dizer são absolutos, intemporais e incondicionados? Ou, pelo
contrário, todos os valores
são sempre relativos, historicamente determinados? Sobre esta questão existem
duas posições essenciais, a dos que defendem a subjectividade dos valores e a dos que defendem
a sua objectividade.
Subjectividade dos valores:
Ao longo da história da filosofia muitas correntes têm defendido esta posição.
Os sofistas afirmavam, por exemplo, que a verdade ou a moral não passavam de
convenções que variavam de sociedade para sociedade, de indivíduo para
indivíduo. Nietzsche afirma que a natureza carecia de valores e somos nós que lhos
damos. J. P. Sartre, ao defender a liberdade humana proclama que cabe ao homem
a tarefa de inventar os seus próprios valores.
Objectividade dos valores:
A maioria das religiões defende esta posição. Os cristãos, por exemplo,
apoiados no Novo Testamento declaram que certos valores como o amor ao próximo e as normas
morais são absolutos, isto é, não dependem das sociedades, nem dos indivíduos.
Na filosofia encontramos a mesma posição em filósofos como Platão. Este
considera que o Belo, o Bem e o Justo (formas puras) existem idealmente como
entidades imutáveis e incondicionadas. Mais recentemente, a objectividade dos valores foi defendida por
filósofos como Max Scheler e Nicolay Hartmann.[7]
·
A NATUREZA
DOS VALORES:
ABSOLUTOS E RELATIVOS
Absolutos são os valores
que valem por si mesmos, para lá das vantagens ou desvantagens que nos possam
trazer, que são estimáveis em si e não por aquilo que permitam obter. Exemplos:
o amor, a beleza e a amizade, etc. – queremos amigos não para nos «servirmos»
deles, mas porque estimamos a amizade, porque a consideramos importante;
desejamos a liberdade não só para agirmos de modo autónomo, mas porque não
concebemos sequer o homem como não sendo livre.
Relativos são os valores
que, ao contrário, não valem por si mesmos, mas apenas pelo que nos permitam
alcançar, que só estimamos pelo que com eles conseguimos e não pelo que são em
si mesmos. Exemplos: o dinheiro, que não queremos por ele próprio, mas por
aquilo que com ele nos é possível comprar; a justiça, no caso de só a respeitarmos
para escapar à punição que teríamos se o não fizéssemos.
Os valores
dividem-se, assim, em Valores-fins
e Valores-meios e
ordenam-se e hierarquizam-se segundo a importância que assumem para cada
indivíduo ou sociedade. Os primeiros têm um carácter absoluto, uma vez que são valores por si sós,
independentemente das suas consequências. Os segundos são relativos porque são
simples meios para a obtenção de qualquer outra coisa, porque têm valor somente
no que respeita àquilo que com eles se procura usufruir.
·
A HISTORICIDADE
E A PERENIDADE
DOS VALORES
O ser humano tem constantemente necessidade de valores que orientem a sua acção. Esta é sempre
regida por eles, na medida em que agimos conforme o que pensamos ser desejável
ou correcto, sem que, no entanto, saibamos exactamente e sempre o que isso
significa. A transformação dos valores,
as suas mudanças tornam difícil a sua fundamentação. O que será justo, por
exemplo? E injusto ? E a justiça, será o mesmo para todos?
Digamos, para começar, que os valores
só se tornam universais quando, mais do que fundados nas impressões e
sentimentos do sujeito (na sua subjectividade), são adoptados pela comunidade,
adquirindo, dessa forma, uma certa – pelo menos aparente – objectividade. A
objectivação dos valores
pela sociedade é o que lhes dá o carácter universal.
Mas unicamente em certa medida. Porque se os valores só são válidos para todos porque
fundados na sociedade, eles podem sê-lo apenas para os membros dessa sociedade.
Qualquer outra sociedade, em qualquer outro tempo ou lugar, poderia fundar como
válidos outros valores.
A objectividade fundada na sociedade torna os valores situados, isto é, só são valores, só valem num
determinado tempo e num determinado lugar.
Assim, os valores
são marcados pela Historicidade.
O que significa que por existirem sempre situados num tempo e lugar, eles têm
uma existência histórica, determinada pelas condições desse tempo e lugar.
Ainda que tenham um carácter objectivo e absoluto, em determinadas condições, a
alteração dessas condições, as transformações e a passagem da história
transformam também os valores
(eis porque a escravatura, o papel da mulher na sociedade, ou o peso da
religião são valores
que, ao longo dos tempos, têm sofrido alterações ou mesmo deixado de ser
considerados).
A dimensão histórica dos valores
consiste no facto de eles – ou melhor, da compreensão que deles temos – serem
sempre condicionados pela cultura, ideias ou crenças de uma determinada época,
de serem sempre relativos ao tempo em que existem.
Mas se alguns valores
e a interpretação que fazemos acerca de outros passam, os homens ficam.
Enquanto o ser humano existir continuará a ter necessidade de valores que rejam a sua acção
e de procurar, porque só isso o poderá satisfazer, a essência desses valores. É sob esse aspecto
que se pode falar de perenidade
dos valores, isto é,
por um lado, da presença indispensável de valores para que se possa compreender o sentido
das nossas acções, e, por outro, da necessidade de conhecer o seu fundamento
eterno. O que podemos considerar sempre como justo? E como injusto? E o que
será sempre justo para todos? A essência dos valores não coincidirá, afinal, com a própria
essência humana?
Dizia Kant que mesmo um grupo de malfeitores precisa de se governar pela
noção de justiça, sem a que o grupo se desfaria, ou nem sequer se formaria. E o
que é essa justiça cujo fundamento verdadeiro nos escapa, mas que está na base
da existência do homem como ser social? Essa essência é o que constitui a perenidade mais funda do
valor do justo e do injusto e que, em simultâneo, acompanha toda a duração
humana.
Serão os valores perenes, isto é,
independentes do tempo, do espaço e dos seres humanos concretos que os
realizam? Ou, pelo contrário, dependem das épocas, dos homens e das culturas?
Existem
defensores de uma e de outra posição. Os defensores da primeira tese fazem
parte das chamadas correntes essencialistas ou substancialistas, os da segunda
pertencem às correntes relativistas.
·
TEORIAS ESSENCIALISTAS (PERENIDADE DOS VALORES)
Os seres actuais
permitem apenas a realização dos valores.
Estes, que antes de tudo são algo ideal (uma essência), em dados momentos
assumem existência, quer dizer, materializam-se, concretizam-se nas obras do
homem ou da natureza. As coisas, os objectos, as acções dos homens, são
portadoras de valores,
mas estes estão mais além, numa esfera distinta que poderemos designar como
ideal.
«O valor irreal torna-se real, isto é, assume existência,
encarna. (…) [O valor] não consiste num ser em si mesmo, mas num ser que está
noutro ser. Assim, por exemplo, um valor estético converte-se em existencial no
quadro do pintor; o valor ético, na acção do homem virtuoso. O quadro do pintor
passa a chamar-se ‘belo’; a acção do homem, a chamar-se ‘boa’. Isto é: os valores, portanto, só podem
tornar-se existenciais sob a forma de qualidades, características, modos de
ser. Não possuem um ser independente, mas são de certo modo “trazidos”,
“sustentados” pelos objectos nos quais se realizam; estes objectos tornam-se o
seu “suporte”. As coisas são então “portadoras” dos valores.»*10
Nestas correntes, o conteúdo dos valores é absoluto e imutável. A apreensão
que fazemos dos valores
pode variar com os costumes, os hábitos, as instituições, as épocas, as
culturas e os indivíduos, mas os valores,
enquanto essências situadas num plano ideal, permanecem intactos. Podem ser
melhor ou pior captados ou formulados, mas, em si mesmos, permanecem absolutos
e imutáveis.
·
TEORIAS RELATIVISTAS (HISTORICIDADE DOS VALORES)
Estas teorias
rejeitam o carácter absoluto e objectivo dos valores e afirmam a sua historicidade. Os valores não pairam fora do
tempo, não são imutáveis mas relativos. Dependem dos contextos culturais e
civilizacionais, das épocas e dos indivíduos concretos que os produzem. [8]
De um modo
geral, as teorias relativistas partilham a tese segundo a qual descobrir os valores é descobrir a
actividade do sujeito. Não faz sentido falar de valores abstraindo-se o sujeito ou
minimizando-o, como defendem as teorias essencialistas que tratam os valores como formas
intemporais. Pelo contrário, para os relativistas, o sujeito é o elemento
decisivo e os valores
são o resultado da sua actividade. Neste sentido, os valores são subjectivos, isto é, são o
resultado da acção e da apreensão de um sujeito.
Assim, para o
relativismo axiológico, os valores
respondem às características e às necessidades específicas das sociedades, dos
indivíduos ou dos períodos históricos determinados. Como tal, são mutáveis, tal
como os homens e as sociedades que os produzem. Não existem valores universais. O
vendedor de carros usados pode ser completamente honesto e sincero com a sua
família, mas na sua profissão pode ser levado a mentir e isso pode ser
considerado ― pelo seu patrão, por exemplo ― como um valor, em função dos objectivos
da empresa (vender mais carros).
A "distinção entre facto e valor permite não só a análise da noção
de valor e das suas características estruturais mas a referência, entre outras,
a questões como a da natureza, objectividade e subjectividade dos valores. Por outro lado, a tematização da
perenidade e historicidade dos valores conexiona-se com uma pluralidade
de outras tais como a de critérios valorativos, absolutividade e relatividade,
equivalência e hierarquia que poderão permitir a passagem à exploração do tema
da crise dos valores, hoje.
Os valores são
entidades virtuais; não existem na realidade, não são propriedade dos objectos,
são atribuídos às coisas por um sujeito. Valor implica sempre uma relação de um
sujeito com um objecto, ao qual este atribui um determinado valor.
Também se apresentam como entidades ideais que representam a perfeição e o
seu oposto. Na perseguição de valores,
o Homem vai-se aperfeiçoando. As características fundamentais dos valores são a hierarquia e
a polaridade. Primeiro, os valores
apresentam-se sempre numa escala que vai do menos para o mais. A esta ordenação
qualitativa dos valores
dá-se o nome de hierarquização e varia de pessoa para pessoa; cada um tem a sua
escala de valores
que vai influenciar as suas escolhas.
Por outro lado, os valores
aparecem sempre com uma dupla face: positiva e negativa. A um pólo positivo
(por exemplo: bonito) opõe-se sempre um pólo negativo (no exemplo: feio).
Existem juízos de facto e juízos de valor. Pelos juízos de facto
entendemos os que são descritivos ou de existência. Descrevem e informam acerca
da realidade concreta sem emitir preferências e apreciações. Podem ser
facilmente considerados verdadeiros ou falsos, conforme se adequam ou não à
realidade, e podem ser objecto de verificação empírica. Isto é, em relação ao
juízo: "A árvore deu frutos.", que é um juízo de facto, eu posso
olhar e verificar se é verdade ou não verdade.
Os juízos valorativos julgam factos e realidades em função de preferências
axiológicas. Estes juízos não são verificáveis empiricamente e não são,
normalmente, alvo de consensos. Podem ser de apreciação moral, estética,
religiosa, vital, de utilidade, entre outros.
Os valores são guias de
acção, aquilo que
“põe em movimento” os comportamentos, as condutas das pessoas. Na nossa vida
estamos sempre a fazer juízos de valor e a guiarmo-nos por eles. Eles orientam
a vida e marcam a personalidade; uma pessoa define-se, diz quem é, em função
dos valores que tem.
Os valores
orientam as nossas preferências; eu prefiro isto ou aquilo em função dos valores que tenho. Por
exemplo, se a igualdade de direitos é um valor importante para mim, eu
vou optar por não discriminar as pessoas pela sua raça. Por causa dos valores as coisas
apresentam-se-me de forma diferenciada. Ou seja, o mundo não é todo igual para
mim, há coisas de que eu gosto e coisas de que eu não gosto; há coisas que eu
admiro e coisas que não; há coisas que eu respeito e outras que não respeito. É
em função deste colorido que os valores conferem ao mundo, que o Homem escolhe e age.
Assim, é o valor que confere sentido à vida, serve para a nossa orientação
pessoal. Em relação à axiologia, teoria dos valores, podemos observar a tese da
subjectividade, que se opõe à da objectividade dos valores, e a da historicidade, que se opõe à perenidade dos valores.
A tese da perenidade
defende que o valor não depende da época histórica. A perenidade é do valor e não
dos objectos em que ele se manifesta. Por exemplo, a honestidade e amizade
sempre foram considerados valores
ao longo do tempo, as suas manifestações, exemplos e realizações é que podem
sofrer alterações. A tese da historicidade
defende que os valores
mudam conforme a época histórica. Isto está ligado a uma ideia de relativismo
axiológico que defende que o que é ou não valor é completamente relativo. Tudo
muda, e os valores
também! Podemos afirmar, como tese intermédia, que apesar dos valores sofrerem obviamente
uma influência do tempo, até surgem novos valores, há algo de perene nos valores; amizade será sempre
um valor importante, embora o seu conceito sofra inevitavelmente alterações.
As teses da subjectividade ou objectividade diferem porque uma defende que
se gosta das coisas porque elas têm valor, o valor existe como algo de
absoluto, independentemente das coisas e dos homens, que apenas os descobrem,
enquanto a outra afirma que as coisas assumem valor porque um sujeito gosta
delas; assim o valor é sempre uma criação do Homem, sendo dependente da
apreciação do sujeito. Está presente no ditado popular: "Quem feio ama,
bonitolhe parece."
A tese que concilia as duas posições defende que os valores não existem
independentemente das coisas, eles apenas valem, não têm existência
independente. Mas são propriedade real das coisas que despertam os valores. No entanto, as
coisas só são valiosas potencialmente, apenas adquirem realmente valor quando
entram em interacção com o Homem. Só nesta relação é que os valores fazem sentido.
Finalmente, depois de uma breve situação temática, hoje em dia se fala
muito da crise de valores
e da emergência de novas polarizações, particularmente na sociedade angolana.
Vivemos uma época de grandes mudanças a todos os níveis. Por esse motivo,
há
também a
emergência de novas polarizações de valores. Assim, numa fase de revisão daquilo que era
considerado valor, a que muitos autores chamam Época de Crise, porque há
questionamento, alterações drásticas, há enormes mudanças, e na mudança há
sempre algo de instabilidade, o que é normal e salutar (crise em grego significa
questionamento e decisão; não é um termo negativo). Surge a consciência
de que aspectos que não faziam parte das nossas preocupações passam a fazer.
Deste modo, não há apenas diferenças na hierarquia dos valores clássicos, mas há
mesmo valores que
não existiam e passam a existir. Estamos a referir-nos, por exemplo, à
ecologia. Se o planeta não estavaem risco é óbvio que as pessoas não andavam
preocupadas com o assumir deste valor.Hoje, os riscos inerentes à tomada de
atitudes pouco correctas são tais que há a necessidade de sensibilizar todo o
mundo para esta questão. Assim, a eologia apresenta-se como um valor
contemporâneo.
Serão os valores perenes, isto é,
independentes do tempo, do espaço e dos seres humanos concretos que os
realizam? Ou, pelo contrário, dependem das épocas, dos homens e das culturas?
Teorias
essencialistas (perenidade
dos valores) Os
seres actuais permitem apenas a realização dos valores. Estes, que antes de tudo so algo ideal
(uma essência), em dados momentos assumem existência, quer dizer,
matrializam-se, concretizam-se nas obras do homem ou da natureza. As coisas, os
objectos,as acções dos homens, são portadoras de valores, mas estes estão mais além, numa esfea
distinta que poderemos designar como ideal.
O valor irreal torna-se real, isto é, assume existência,
encarna. (…) [O valor] nãoconsiste num ser em si mesmo, mas num ser que está
noutro ser. Assim, por exmplo, um valor estético converte-se em existencial no
quadro do pintor; o valor ético, naacção do homem virtuoso. O quadro do pintor
passa a chamar-se ‘belo’; a acção do hoem, a chamar-se ‘boa’. Isto é: os valores, portanto, só podem
tornar-se existenciaissob a forma de qualidades, características, modos de ser.
Não possuem um ser indepedente, mas são de certo modo “trazidos”, “sustentados”
pelos objectos nos quais se relizam; estes objectos tornam-se o seu “suporte”.
As coisas são então “portadora” dos valores.»
Nestas correntes, o conteúdo dos valores é absoluto e
imutável. A apreensão que azemos dos valores pode variar com os costumes, os hábitos, as
instituições, as épocas,as culturas e os indivíduos, mas os valores, enquanto essências
situadas num plano deal, permanecem intactos. Podem ser melhor ou pior captados
ou formulados, mas, m si mesmos, permanecem absolutos e imutáveis.
Teoras há que
rejeitam o carácter absoluto e objectivo dos valores e afirmam a sua histricidade. Os valores não pairam fora do
tempo, não são imutáveis mas relativos. Deendem dos contextos culturais e
civilizacionais, das épocas e dos indivíduos cocretos que os produzem.
De um modo geal,
as teorias relativistas partilham a tese segundo a qual descobrir os valores é descorir a
actividade do sujeito. Não faz sentido falar de valores abstraindo-se o sujeito ou inimizando-o,
como defendem as teorias essencialistas que tratam os valores com formas
intemporais. Pelo contrário, para os relativistas, o sujeito é o elemento
dcisivo e os valores
são o resultado da sua actividade. Neste sentido, os valores sãosubjectivos, isto é, são o
resultado da acção e da apreensão de um sujeito.
Assim, paa o relativismo axiológico, os valores respondem às
características e às necessidaes específicas das sociedades, dos indivíduos ou
dos períodos históricos determindos. Como tal, são mutáveis, tal como os homens
e as sociedades que os produzem. Não existem valores universais. O vendedor de carros usados
pode ser completmente honesto e sincero com a sua família, mas na sua profissão
pode ser levadoa mentir e isso pode ser considerado ― pelo seu patrão, por
exemplo ― como um vaor, em função dos objectivos da empresa (vender mais
carros). Quer uma corrente quer outra estão cônscios de que os verdadeiros
valores são aqueles interligados aos ideais mais nobres do humanismo, que
caracterizam a dignidade humana, bem como a progressão sem manchas.
ANGOLA ÉS CAPAZ...
A
proliferação de situações patológicas, que assolam as sociedades angolanas, é
cada vez mais escandalosa. Isto não poderia, de maneira nenhuma, resultar de
espontâneos acasos, porque as dinâmicas sociais ocorrem em contextos onde
actores dotados de razão e vontade procuram influenciar negativa ou
positivamente os destinos de outros homens.
O
aparente caso de dependência colonial deu lugar a uma mobilidade social
legítima do ponto de vista dos seus sujeitos. Todavia, as consequências
continuam ainda a ser o cúmulo de uma certa forma de irracionalidade
(referímo-nos à instabilidade económica, religiosa, cultural que o país vive de
forma aberrante). Apesar do apetrecho qualificativo estrutural que o país
regista que deveria refletir-se na modernização mental e estrutural do povo,
implicando mudança social cujos modelos de referência emanam da chamada
civilização mundial e que não acontece porque a personalidade de um povo,
faz-se com a dimensão cultural típica da terra, fazendo aqui mensão dos
psicológos locais quando afirmam que «não se constroi uma nação com pensamentos alheios», Como grupo que somos,
queremos ajudar Angola nos seguintes aspectos:
·
O
famoso canteiro de obra de que falam os governantes não deve ter simplesmente
uma realidade empírica, mas também cognitiva. Assim estaremos a educar uma sociedade, pressupondo o ser na escala
hierárquica de valores e não o ter, numa sociedade não imediatista, não
corrupta, não violenta, não materialista, mas uma sociedade moralista, unida
que julga as pessoas não pelos bens, advindos destas, mas sim pelo conteúdo do
seu carácter.
·
É
necessário que haja um reencontro entre angolanos do Norte a Sul, do Mar ao Leste,
para a resolução dos seus problemas e, que não haja mãos gordas subjacentes nos
nossos recursos que ao invez de nos ajudar, destroem-nos e deixam-nos
esqueléticos, intensificando o nome de África e de Angola, como terra do
terceiro mundo ou se quiserem terra do Sul do mundo.
Como
não somos cépticos, acreditamos no desenvolvimento de Angola. Queremos que a
importância do diálogo se faça sentir nos corações dos angolanos, se quisermos
caminhar com o pensamento Agostiniano quando afirma « o dom da fala foi dado
aos homens não para que eles se enganassem uns aos outros, mas sim para que
expressassem seus pensamentos uns aos outros». Diga-se, de forma positiva.*11
CRITÉRIOS DE ENCONTRO A...
VERSUS AO ENCONTRO DE...
Os
problemas que massacram os angolanos não são exclusivamente de índole material,
afectando a economia, a política, a ciência, etc, é também trascendental ou
espiritual. Os mesmos não devem ser entendidos como os apartes de uma realidade
social, pois resultam da multifactualidade, ou seja, tendo em conta que afectam
a grandeza motora da organização social, isto é, homem, terá repercussões nas
mais variadas paragens da actividade humana, desde a auto percepção até à
altercepção*12.
Ora,
permitir que um problema passe é também garantir ou infinitizar a presença
dela, considerando o facto supra-citado, é ainda fazer soar o nosso grito de
incapacidade resolutiva, conquanto sejamos racionais. Em Angola, quer da parte
dos dirigentes quer da parte dos complementares, geralmente população*13, notamos uma posição
fora do aspecto segundo o qual, dirigir pressupõe a consciência de
responsabilidade, de manufacialidade*14, vendo que se tornou
refrão a expressão «...
estamos a fazer esforço...», embora se trate de uma acção com que a
população mantem uma relação de implicação.
Se
se não atribuir um valor coisificado à frase apresentada, mas analisármo-la
rigorosamente, talvés percebámos quão insuficiente tem sido a presença dos
nossos direigentes naquilo que fazem, ou mesmo, estão presentes ausentes,
porque não se reveem no que fazem, ou ainda, não há koinonia*15 substancial entre si e
o objecto.
Depois
de um breve enquadramento, fazemos um recurso à história, para se perceber
graduativamente os problemas hodiernos, como já disse «não se percebe um facto fora da antecessão nem da sucessão
de outros factos, seja na espacialidade seja na temporalidade».
Com
a chegada dos lusos à Angola começa o período da deturpação social, já que,
sociologicamente, o encontro de dois grupos diferentes social, estrutural e
culturalmente sustenta um desiquilíbrio, ligeiro ou não, entre o comportamento
d´ambas as partes. O meritismo*16 que se dava aos
acpectos diferentes do ocidente,isto é, pensamentos, práticas, raça, etc, foi
um fertilizante, para que se podesse assimilar, com facilidade, o padrão dos
outros.
A
implementação de instituições sociais e religiosas, pelos portugueses, e não só, foi um passo in media res*17 na consolidação do
viver europeu em Angola. Basta que vejamos a restruturação organizativa social,
ou seja, cognominavam as ruas, vilas, bairros, etc, com nomes lusos,
constituindo uma arma poderosa contra a sociedade angolana, sob pena de cair no
agnosticismo histórico dos seus herois.[10]
É
importante que a criação, organização da sociedade passe pelos aspectos
transculturais, de forma que o povo se reveja e se sinta cada vez mais dentro
das preocupações dos dirigentes sociais e religiosos. Dirigir, governar,
liderar, etc, prevê a reciprocidade funcional, ou seja, indo mais a fundo da
lógica terminológica, entende-se que, quando os dirigentes são determinados por
problemas sociais, levando-os a refletirem nos mesmos e consequentemente a
resolverem-nos, é uma direcção inversa, do povo para o dirigente. Mas quando
nasce da dinâmica directiva, tentando suprimir algumas realidades, conquanto
sejam sociais, periféricas, é uma direcção de dirigente para o povo. Este
critério levou à progressão várias sociedades que se presavam democráticas.
A
auditividade, que se deu ao pensamento ocidental, ofuscou as nossas mentes. Uma
questão deve ser dita; ao mesmo tempo que nos organizávamos, para a nossa
melhor posição, fazíamos um recurso aos pensamentos alheios, que cada vez mais
nos deixavam distantes de nós mesmos.
Ainda
que Amilcar
Cabral*18 tenha dito que «a única coisa boa que o ocidente deixou nas
ex-colónias foram as líguas»,
não se torna suficiente, do ponto de vista de argumentação, uma vez que esta
realidade pode mudificar negativamente, inclusivamente, a posição de uma sociedade,
dado que quanto mais se interessasse pelo alienalismo tanto mais se esquecia
das realidades genuínas, aliás, de acordo com o pragmatismo das sociedades em
via de modernização, como a angolana, que sustentam um desenvolvimento ou uma
afirmação no mundo, pressupondo o conhecimento das línguas alheias, isto faz que haja maior propensão à
construção de uma sociedade com pensamentos alterais.
A
ultilização de uma língua externa implica pensar nela, ou melhor, como os seus
utentes. Significa que nós exteriorizamos o que pensamos por meio de uma
língua. Assim sendo, torna-se parcimonioso a expressividade tipicamente
angolana pela língua portuguesa, sabendo que não há um casamento, por ligeiro
que seja, entre o nosso pensar e os ditames linguísticos do sistema
«português». Por exemplo: quando nos dirigimos à um superior, a
transculturalidade linguística angolana acha suficiente o plural em vez do
singular, por mais que seja um só elemento. Ao contrário da realidade
linguística portuguesa.
O
alienalismo em Angola tem radicalmente os aspectos valorativos. Se
compreendéssemos a vontade daqueles literatos que defendiam a «redescorbeta de
Angola»
e os alertas de poetas, como António
Jacinto,
este que anunciava a não existência de uma poesia angolana primária ou, se
preferirmos, anunciava um pensamento poético não identitário, uma vez que a
literatura, através dos seus géneros, é axpressividade cultural, nos senguintes
versos:[11]
Não é este ainda o meu poema
O poema da minha alma e do meu sangue
Não
Eu ainda não sei nem penso escrever o meu poema
O grande poema que sinto já circular em mim
...
Mas o meu poema não é fatalista
O meu poema é um poema que já quer
E já sabe
O meu poema sou eu-branco
Montado em mim-preto
A calvagar pela vida.
Relativamente a
alienação, talvés compreendéssemos também, escatologicamente, os sérios
problemas por que seríamos afectados.
O cristianismo não teve a sua
posição radical que consiste na metodificação do anúncio do que Deus quer, por
meio das realidades culturais, porque possibilitou a assimilação, imposta pelos
colonos, do que era alienado, destruindo a dimensão essenciais, em parte.
Hoje, o choque cultural não acontece
unicamente de forma directa, também indirecta, ou seja, a vulnerabilidade
tornou-se tão patente, tendo em conta os vários
caminhos por que passam os
supostos «valores modernos», tendo na base a globalização e o meritismo.
Entenda-se, não vamos de enconro aos critérios advindos do mundo exterior; o
que estamos defendo é a ideia de não padronizar a extrutura global de uma
sociedade com teorias anacionais.
IMPORTAÇÃO IDEOLÓGICA
NO PERÍODO PÓS-INDEPENDÊNCIA-Apreciação intra-grupal
1.
Azul-Europa
2.
Castanha-Américas
3.
Verde-Ásia
4.
Violeta-África
Não teríamos nos, angolanos, a capacidade de nos
enquadrarmos na concorrência mundial se, de facto, primássemos por aquilo que é
mais nosso? Longe de um autismo.
Como é que se vai perceber o resgate
valorativo de certos aspectos identitários se os critérios de que nos servimos,
como método de erradicação, traduzem realiadades distantes das nossas?
Com que pensamento genuíno estamos
ao encontro da legalidade do aborto? Onde ficamos nossos valores
sócio-culturais? A nossa angolanidade?
Não será uma contadição tentar salvar os valores que
nos sigularizam e nos caracterizam, promovendo o que se quer excluir?
Com que pensamento genuíno estamos ao encontro da
legalidade do aborto? Onde ficam os nossos valores sócio-culturais? A nossa
angolanidade? Reflitámos nelas.
Portanto, o comportamento da sociedade angolana vai
de mal a pior, pois não há uma real posição dela a nível de extruturação,
pressundo o homem que a forma. Retiremos tudo, que se contrapõe ao pensamento
antropológico angolano, visto que não nos dignifica.
«Se para o ocidente a imortalidade consiste nos
feitos, para o angolano Bantu, a imortalidade consiste na nominalidade tradicional,
parcialmente»
é um dos valores. Para o angolano Bantu a pessoa é mais importante que tudo,
tal é assim que a pessoa pressupõe a própria pessoa, e não há terminologia que
traduza a sua grandeza. Se existe, não passa de
uma mudofobia ou jardinagem discursiva.
Angola
está em África, que por sua vez é o BERÇO DA HUMANIDADE e continuará a se-lo se os seus filhos conservarem
e tradicionalizarem incorruptivelmente os valores que caraterizam os ideais
mais nobres da africanidade, porque não do humanismo*19.
__________________
*19JOVETA Correia in livro de seus pensamentos.
CONCLUSÃO
Todos os homens pensam e o pensamento é
a actividade comum do género humano: independentemente da côr e da pele, a
diferença está na cultura. Seria, pois, um erro afirmar que a época do
pensamento tradicional angolano não tenha valor dentro do saber especulativo,
não obstante os limites da conservação e da tradição de tal modo de pensar.
O pensar angolano é antigo quanto ao
próprio homem e jovem quanto à vida. No mundo tradicional africano, não se
podem individualizar filósofos no sentido próprio, mas no nosso estudo devemos
ter em conta o pensamento tradicional, descubrindo nele os pressupostos a
abedoria necessária para compreender o pensar angolano hoje, visto que o pensar
tradicional é, sobre tudo, oral e, sabendo que o discurso oral é mais propício
em relação a escrita. Nesta história de pensamento, vem espontâneo afirmar que
o discurso filosófico se verifica no falar do homem de todo o tempo. Sendo cada
homem o resultado do próprio passado, sem a sabedoria popular não existe uma
verdadeira corrente de pensamento.
Se bem que Angola não tenha nome no
quadro das glórias humanas mundiais, podemos um provérbio africano, segundo o
qual uma só cabeça não esgota toda a sabedoria, querendo reafirtmar-se a
unidade entre o passado e presente, estabelecendo assim os critérios do nosso
pensar. Onde
devemos procurar a sabedoria se não na vida dos nossos pais e do sumo bem? Bem
nos diziam os historiadores clássicos: se o homem moderno compreendesse o
percurso histórico dos seus antepassados, isto é, as suas glórias e decaídas,
talvés encontrasse métodos, para ultrapassar as grandes fases do seu tempo, uma
vez que a história, como tal, é todo um percurso onde o presente é sustentado pelo passado. Outrossim, quem náo
respeita e considera os valores dos seus antepassados não tem modelo a seguir.
Em relação ao sentido da vida, as
sociedades africanas têm reflectido muito e há sempre que aprender com os
anciãos e os sábios das aldeias; toda via, posto que por exigência sistemática,
a filosofia deve ser rigorosa e crítica, não podemos falar de uma filosofia
antropológica angolana se não no sentido lato; até porque os anciãos
transmitiam apenas oralmente os seus valores e pensamentos. Ademais, o pensar
angolano é visto no conto popular, nos provérbios, mitos e em todas as
manifestações da palavra e do pensamento, são os que se podem chamar de
pensamentos filosóficos da tradição oral africana. Assim, destacam-se, nos
catálogos das glórias humanas angolanas, vários pensadores de renomes, os quais
deram sua contribuição no desenvolvimento do pensar angolano, dos quais
destacam-se Agostinho Neto*20
e Jonas Savimbi*21, aos quais se devem os primeiros
alicerces da contribuição do pensamento angolano. Aquele é visto, na sua obra
literária sagrada esperança, na qual fala de um povo sofredor, como lutador e
mai tarde revolucionário e este é visto, nos seus discursos, como revolucionário
e inspirador.[12]
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I edição, Instituto Nacional do Livro e do Disco (INALD), Luanda, Dezembro de
1997.
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DAVIDSON, Basil, A Descoberta do passado
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RIVIER, Claude, Introdução à
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MUYZENBTRG, Laurens Vam Den, O Caminho
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Africana-Lieratura Necessária I-Angola, Edições-70, Instituto Nacional do Livro
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«Sobre a Literatura: discurso no Acto de
Posse do Cargo de Presidente da Assembleia Geral da União dos Escritores
Angolanos, em 24 de Novembro de 1977», Sobre a Literatura, 2a edição,
Cadernos Lavra & Oficina, Luanda, 1978, p. 12.
In M., Ferreira, No Reino de Caliban, v.
II, p. 136.
A Literatura Angolana: Resenha Histórica,
p. 33.
REFERÊNCIA ELETRÔNICA
INDICE REMISSIVO
Fg
1-pg...........................................................................................................................
16
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2-pg...........................................................................................................................
16
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20
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20
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29
Fg
6-pg...........................................................................................................................
29
Ilustração
a côr-pg........................................................................................................
44
⃰ 2HOMENS das florestas- Nome pejorativo por serem
consumidores de caranguejos e de carne de porco-espinho.
⃰ 4O termo é de origem hispano-francesa, isto é, criollo e créole,
designando o filho do subordinado, que nasce na casa do patrão, ou seja, aquele
que adquire hábitos alienados ou também o filho do branco (estrangeiro), que
nasce na terra do dominado, tendo, assim, comportamentos advindos do choque
cultural.
*13Conjunto de pessoas que habitam numa
determinada região, diferente de POVO.
*14Acto de fazer as coisas por mãos próprias.
*15Termo grego, que significa UNIDADE.
*16Consideração excessiva que se deposita em
algo.
*17Frase latina, que significa na medida
certa.
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